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Crédito: Mercedes Sayagues/PlusNews |
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Chimoio - Eduardo Loisse foi isolado pela sua própria mãe num canto do quintal da casa. Jacqueline Seda foi abandonada pelo marido e pela mãe. Judite e Mário (*) foram expulsos de casa pelos seus familiares. O motivo da exclusão destes moçambicanos é o mesmo: serem seropositivos.
Mais que a falta de remédios, a fome e a pobreza, o preconceito é o pior sofrimento para um seropositivo, diz ao PlusNews, o secretário executivo adjunto da Rensida, Rede de Associações de Pessoas Vivendo com HIV/Sida, Amós Sibambo.
Loisse, Seda e Judith têm sorte. Eles moram em Chimoio, na província de Manica, Centro de Moçambique. Ali está sediado o grupo Shinguirirai, que numa língua local, o Shona , quer dizer amparo.
Desde 2000, o grupo ajudou mais de quatro mil pessoas seropositivas nas províncias de Manica e Sofala, onde a seroprevalência é de 19.7 e 26.5 por cento, respectivamente.
Com 328 activistas, a maioria seropositivos, o Shinguirirai faz palestras nas instituições públicas. Nos hospitais presta assistência psicológica e ajuda os pacientes para a melhor adesão ao tratamento antiretroviral.
“Antes as pessoas daqui achavam que a Sida não existia, que era feitiço,” diz a coordenadora, Rosa Paulo Margare.
As campanhas do grupo ensinam às comunidades sobre a transmissão do HIV.
Loisse, 28 anos, lembra que os seus irmãos pediam à sua mãe para separar os utensílios que ele usava receando o contágio. Quando Loisse ficou doente, foi isolado num canto do quintal e ninguém lhe assistia.
Mudanças
A situação mudou com as visitas ao domicílio dos activistas do Shinguirirai.
“A minha família e amigos voltaram a acolher-me normalmente, hoje sou activista e consigo cuidar da minha saúde com os antiretrovirais,” afirma.
A mãe de Seda alegou que a sua filha tinha procurado a Sida para castigar a família e forçou-a a sair de casa.
Seda tinha quatro filhos. Perdeu o mais novo, segundo ela, porque os seus familiares não cuidaram dele. Temiam apanhar o vírus ao tocar-lhe.
O marido sumiu. Os três filhos ficaram com a mãe de Seda e ela ficou na rua.
Os activistas do Shinguirirai contactaram-lhe. Seda recebeu apoio psicológico do grupo, iniciou a terapia antiretroviral e hoje está saudável.
Judite, 23 anos, foi expulsa de casa quando a família descobriu que ela tomava antiretrovirais.
“Deram-me cinco quilos de milho e um bidão de 20 litros de água potável e disseram para eu começar uma nova vida,” conta ao PlusNews.
Em crise, parou de tomar antiretrovirais. Graças ao Shinguirirai, ela reiniciou o tratamento, voltou a relacionar-se com a família e hoje é activista.
Insultos e isolamento
Uma pesquisa de 2005 do Shinguirirai descreve várias formas de discriminação contra os seropositivos.
No bairro, insultos de ordem sexual. Na família, abandono e isolamento do doente. No serviço, rejeição e perca de emprego. Na igreja, condenação. Nos centros de saúde, atraso no atendimento e repressão verbal.
No espaço público, recusa de sentar ao lado de um seropositivo nas viaturas, No mercado, os seropositivos não conseguem vender ou comprar e as pessoas afastam-se quando eles chegam ao poço ou fontenária.
“Eu não compraria produtos vendidos por um seropositivo, porque alguns vendem com a intenção de infectar os outros para igualarem,” afirma a dona de casa Teresa Inês, de 32 anos.
O resultado dessa exclusão, ressalta a pesquisa, provoca, entre os seropositivos, traumas psicológicos, sentimento de vingança contra a sociedade e morte prematura.
Cuidadores domiciliários da província de Manica observaram ainda que as famílias mantêm segredo sobre a doença.
Nalguns casos, em vez de serem expulsas da casa, as pessoas seropositivas são escondidas pelos familiares dentro de casa ficando excluídas da assistência domiciliária e dos grupos de apoio.
Várias ocorrências deste tipo foram registadas em Manica pelo sociólogo e antropólogo moçambicano Cristiano Matsinhe.
A interpretação de Matsinhe, no livro Tábula Rasa, é que o segredo sobre a doença está associado aos “maus olhares”, inveja e feitiço. Anunciar casos de doença num lar equivale a admitir que o feitiço está a funcionar e que a família não possui defesa.
Ajuda mútua
Shinguirirai é uma criação da Kubatsirana (ajuda mútua, em Shona), a primeira organização religiosa de Manica, que ousou tratar da Sida, em 1995, sensibilizando pastores e fiéis.
Naquela época, os religiosos evitavam o tema, devido à associação da doença com a imoralidade.
Segundo Agostinho Morais, seu antigo director, Kubatsirana, “foi o amparo de muitos pastores seropositivos, que antes eram expulsos das congregações.”
Em 2000, líderes religiosos solicitaram a criação do Shinguirirai, porque naquela época muitos ainda não tinham a coragem de visitar doentes de Sida nas suas casas, conta Margare.
Sessenta e cinco igrejas cristãs e 150 activistas fazem parte do Kubatsirana.
Com tempo, informação e paciência, como Loisse e Seda bem sabem, as comunidades mudam as atitudes discriminatórias.
(*) Apelido omitido
ac/rb/ms
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