Há 15 horas “sem colocar nada na boca, a não ser comprimidos”, o militar aposentado Teófilo Afonso chega ao Hospital Rural de Vilanculos, distrito turístico de Inhambane, onde faz o tratamento da Sida, e tem que esperar cinco horas para ser atendido.
Há apenas dois médicos para atender a população dos distritos de Vilanculos, Mabote, Govuro e Inhassoro servidos naquele hospital.
No Hospital Central de Maputo, a capital de Moçambique, o enfermeiro Alberto Frederico* diz que, por causa da Sida, “andamos sobrecarregados e extenuados.”
Para cumprir o seu trabalho no laboratório de análises clínicas seriam necessárias pelo menos cinco pessoas, diz.
"O tratamento que damos pode não ser o melhor, porque é muita pressão e não há gente suficiente para o fluxo de doentes”, conta ao PlusNews.
A situação em Vilanculos e Maputo reflecte o serviço público de saúde de Moçambique, em que a falta de recursos humanos impede uma melhor resposta ao HIV/Sida.
Com uma seroprevalência de 16.2 por cento, Moçambique tem cerca de 650 médicos e 4.220 enfermeiros para atender 19.8 milhões de habitantes.
Um médico está para cada 30.800 pessoas e um enfermeiro para cada 4.300.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um médico para cada grupo de cinco a dez mil habitantes.
“O deficit de pessoal preparado é grande em todas as áreas, mas na saúde é gritante,” comenta Josué Lima, director do escritório nacional do Centro Internacional para Programas de Cuidados e Tratamento da Sida da Universidade de Colúmbia, dos Estados Unidos da América.
Os dois maiores provedores de tratamento antiretroviral no país, junto ao governo, as organizações não governamentais (ONGs) Médicos Sem Fronteiras-Suíça e a Comunidade Santo Egídio, com de mais de 16 mil doentes em tratamento, concordam.
A falta de profissionais preparados dificulta a expansão do tratamento antiretroviral, disse a presidente da MSF–Suíça, Isabelle Segui-Bitz, em finais de 2006, em Maputo.
Longe da capital, longe da vida
A situação é pior quanto mais longe da capital.“Há superlotação dos quartos e camas nos nossos hospitais, que ja não conseguem cobrir os doentes,”diz João Fortuna, técnico de medicina do Hospital Provincial de Tete, Centro do país.
No Hospital de Dia de Tete, especializado em HIV/Sida, nenhum médico, técnico de medicina e enfermeiro consegue “largar o expediente no horário previsto” devido ao grande número de pacientes, ressalta Fortuna.
“Não se pode fechar as portas com doentes à espera,” diz.
Em Tete há 20 médicos, 27 técnicos de medicina e 75 enfermeiros, mas seriam necessários, pelo menos 35 médicos, 50 técnicos de laboratório e 150 enfermeiros, diz a especialista em grandes endemias na Direcção Provincial da Saúde, Dra. Azelia Ernesto Novela.
O mais preocupante para ela é que apenas quatro dos 13 distritos de Tete têm médicos e estão ocupados em assuntos burocráticos, por serem directores distritais ou de centros de saúde.
“Cada distrito deveria ter pelo menos dois médicos”, diz Novela.
O Relatório sobre a Saúde Mundial 2006 da OMS identifica as más condições de trabalho como geradoras de “baixo moral, esgotamento e absentismo” entre o pessoal de saúde.
Além desse pesado fardo, os profissionais da saúde também são vítimas da doença.
Segundo uma pesquisa do Ministério da Saúde (MISAU), de 2002, cerca de 17 por cento dos funcionários do sistema nacional de saúde, ou seja 2.554, já estavam com o HIV, sendo 59 por cento homens e 41 por cento mulheres.
“A Sida ainda vai causar a perda de muitos trabalhadores do sector, conta ao PlusNews, o chefe do departamento de epidemiologia e endemias no MISAU, Dr. Alfredo Mac-Arthur Júnior.
O relatório global 2006 da OMS, publicado em Novembro, diz que o problema é grave na África Austral, onde “a morte devido ao HIV/Sida é a maior causa da perca da força de trabalho” no sector.
Entre 1999 e 2005, Botswana perdeu 17 por cento de profissionais de saúde devido à Sida. Na Zâmbia, a mortalidade entre as enfermeiras em dois hospitais subiu de duas em cada mil, em 1980, para 26.7, em 1991. No Lesotho e no Malawi, a morte é a principal causa da perca do pessoal de saúde.
A OMS recomenda programas de prevenção e tratamento antiretroviral para os profissionais da saúde, minimizar os riscos de infecção por HIV no local de trabalho mediante equipamento de protecção e kits profiláticos pós exposição.
Aquém da demanda
A formação de novos profissionais não consegue acompanhar nem a perda de pessoal devido à Sida nem a crescente demanda.
Segundo Mac-Arthur Júnior, o estado de infra-estruturas das escolas, destruídas ou descuidadas durante guerra civil terminada em 1992, impede a formação de mais profissionais e já foi esgotada a capacidade das 11 instituições que formam técnicos médios de medicina.
Existem apenas duas faculdades de medicina em Moçambique. A mais antiga, na Universidade Eduardo Mondlane, gradua menos de 50 médicos por ano.
A mais nova, aberta há poucos anos na cidade costeira da Beira, no Centro, ainda não formou a primeira turma.
Outra estratégia é a redução da duração do curso de Medicina, que passou de sete para seis anos.
"Mesmo assim, temos consciência de que o pessoal a formar não será suficiente, estando neste momento abertas candidaturas para o recrutamento de reformados, embora os salários não sejam atractivos", comenta MacArthur.
Um médico ganha 12 mil meticais e um enfermeiro médio seis mil meticais, equivalente a 480 e 240 dólares americanos, respectivamente.
"Paga-se mal e isso desencoraja os jovens a seguirem medicina ou enfermagem. O governo tem que tornar o sector de saúde como o da educação atractivos", diz Frederico.
Os países ricos oferecem melhores oportunidades. Vinte e dois médicos moçambicanos trabalham em oito dos países mais ricos do mundo – Austrália, Canada, Finlândia, França, Alemanha, Portugal, e Estados Unidos da América - equivalente a quatro por cento do total de médicos no país, segundo o relatório da OMS.
Envolvimento das comunidades
Para enfrentar a falta de profissionais da saúde, as organizações contra a Sida em Moçambique criam alternativas para amenizar o problema.
O coordenador do programa da MSF-Suiça, no Hospital do Alto Maé, Dr. Alex Nguinfack diz que a sua organização treina membros da comunidade para transportarem pacientes e ajudarem nas enfermarias.
“Como plano final, serão responsáveis pela distribuição de antiretrovirais”, diz Nguinfack.
No mesmo hospital, a Associação Kudumba, com cerca de 50 membros seropositivos, discute todas as sextas-feiras como ajudar a prevenção do HIV no bairro.
“Já trouxemos muitos pacientes para o Hospital,” afirma o membro fundador do Kudumba, Souza Chilaule.
Na Machava, arredores de Maputo, a Comunidade Santo Egídio aposta em activistas locais, segundo a coordenadora Susanna Ceffa.
Em Tete, segundo Novela, para liberar camas para os doentes mais graves, os menos graves são dados de alta e encaminhados aos grupos de cuidados domiciliários, explica Novela.
Estas iniciativas correspondem às recomendações do relatório da OMS de delegar tarefas a quadros menos especializados e envolver os pacientes e a comunidade no tratamento antiretroviral.
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