ZÂMBIA: Bíblias e camisinhas
LUSAKA, 17 Setembro 2007 (PlusNews) - Hotéis, albergues e pensões na Zâmbia são obrigados a ter pelo menos duas Bíblias em cada quarto, mas é raro encontrar preservativos ou máquinas que os vendam, apesar de muitos destes estabelecimentos serem frequentados por prostitutas e seus clientes.
Aproximadamente uma em cada cinco pessoas sexualmente ativas – 1,6 milhões dos 10 milhões de habitantes da Zâmbia – são seropositivos. Ativistas têm feito campanha para que preservativos, como Bíblias, sejam distribuídos gratuitamente em hotéis e outros locais que oferecem hospedagem.
Esta estratégia provavelmente encontrará uma violenta oposição num país conservador, onde o sexo não é discutido abertamente, e onde mais de 80 por cento da população se diz cristã praticante, ou, pelo menos, conjuga elementos do cristianismo com práticas religiosas africanas.
“Estamos fazendo um apelo sério ao governo para ele instaure uma política obrigando todos os hotéis e pensões a distribuir preservativos gratuitos nos quartos, como as Bíblias. Esta política deve ser implementada como medida de prevenção, e os estabelecimentos que não a respeitarem devem ter sua licença suspensa. Isto já deveria ter sido feito há muito tempo, agora chegou a hora”, disse Nkandu Luo, consultor HIV/Sida e ex-ministro da Saúde.
“Tenho tido contato com muitos trabalhadores do sexo, que me contam a mesma história: seus clientes nem sempre os levam a residências; eles às vezes vão a albergues, hotéis ou pensões. Preservativos nestes locais permite práticas sexuais mais seguras”, disse Luo.
Nação cristã
No início dos anos 90, o então presidente Frederick Chiluba declarou a Zâmbia como uma “nação cristã”. Desde então o governo tem dificultado a promoção de camisinhas como uma medida eficaz na redução da propagação do HIV.
O vice de Chiluba, Godfrey Miyanda, proibiu, em dado momento, todas as propagandas de preservativos na televisão, e embora muitos líderes religiosos tenham aceitado o preservativo como medida de prevenção da doença, as camisinhas ainda são consideradas como meio de “vender” ou “fazer propaganda” de sexo ilegal.
“Sugerir que locais públicos – pior de tudo, hotéis – sejam sujos com preservativos não é somente imoral, é profano. É mais ou menos como dizer “aqui está uma arma para proteger sua vida física, use-a para pecar contra Deus e destruir sua vida espiritual”, disse Peter Chisanga, pastor da igreja evangélica Calvary Highway na capital Lusaka.
“Precisamos ensinar às pessoas que somente Deus, e não o preservativo, pode salvar vidas, e até proteger as pessoas contra o HIV. A única condição que Ele [Deus] requer de nós é que sejamos santos. Para nós, a mensagem é a abstinência pela graça de Deus.”
Estamos fazendo um apelo sério ao governo para que ele instaure uma política obrigando todos os hotéis e pensões a distribuir preservativos gratuitos nos quartos, como as Bíblias. |
Não é raro encontrar em hotéis panfletos religiosos, geralmente de organizações cristãs com sede nos Estados Unidos. Num albergue em Lusaka, um correspondente de IRIN encontrou recentemente um panfleto em seu criado-mudo, advertindo que “a Sida é a punição de Deus para a perversão sexual”, e que “Deus não permitiu que as cidades de Sodoma e Gomorra escapassem por seus pecados de homossexualidade, e não vai permitir que a América ou qualquer outra nação escape”.
Apesar da oposição generalizada dos religiosos à promoção do preservativo, o governo do presidente Levy Mwanawasa reconheceu que a cultura do uso do preservativo ainda não se estabeleceu, mas que esta situação deve mudar.
O vice-ministro da Saúde da Zâmbia, Lwipa Puma, declarou recentemente à mídia local que “o uso do preservativo ainda é muito baixo na Zâmbia, principalmente do preservativo feminino... Isso requer mais advocacia e promoção.”
Falta de camisinhas
Clementine Mumba, porta-voz da Campanha pelo Tratamento e Educação à Sensibilização (Treatment and Advocacy Literacy Campaign, em inglês), grupo que advoga pela prevenção do HIV/Sida, disse que o fato de considerar a promoção do preservativo imoral é contra-produtivo para a luta contra o HIV/Sida no país.
“Nosso povo está morrendo, e vai continuar morrendo se não mudarmos nossa atitude em relação às questões sexuais. Sejamos honestos: todos nós, cristãos, lemos a Bíblia, mas também é verdade que as pessoas vão a hotéis por diversos motivos, alguns especificamente para fazer sexo”, disse ela.
“Se eles [proprietários dos hotéis] não podem colocar preservativos nos quartos, deveria existir pelo menos uma maneira de colocá-los nos banheiros e lavatórios, porque certamente precisamos deles para nossa própria sobrevivência”, disse Mumba, que vive com o HIV/Sida há cinco anos.
Sylvia Eneke, da Associação de Hotéis e Serviços de Alimentação da Zâmbia, grupo que reúne hotéis e outros membros da indústria hoteleira, disse que medidas para garantir mais acesso aos preservativos em seus estabelecimentos estavam sendo ameaçadas pela escassez de preservativos gratuitos disponíveis.
“Não temos uma política de distribuição gratuita de preservativos em nossos estabelecimentos, mas é uma coisa que entendemos que devemos fazer. Alguns de nossos membros já começaram a colocá-los à disposição em bares públicos a preços módicos. O problema é que poucas organizações estão dispostas a fornecer preservativos gratuitos, e muitos clientes têm suas próprias preferências quanto ao tipo de camisinha”, disse Eneke.
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