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ZÂMBIA: Governo descarta idosos


Photo: Nebert Mulenga/IRIN
Modester Kalonde, de 79 anos, com sua neta de 8 meses, que nasceu seropositiva
LUSAKA, 1 Outubro 2007 (PlusNews) - Segundo uma organização não-governamental que trabalha em prol do bem-estar dos idosos, a população idosa da Zâmbia está sendo confrontada com um duplo perigo: ou ser abandonada pela comunidade, acusada de bruxaria, ou carregar o fardo da educação dos órfãos do HIV/Sida, apesar do pouco ou nenhum conhecimento que tem da doença.

“Nossos idosos estão a enfrentar um grave problema: ou são abandonados pela comunidade e seus parentes, sob alegações de bruxaria, ou são obrigados a cuidar dos netos, cujos pais morreram em decorrência da Sida sem deixar nada para esses idosos, que se tornam pais substitutos”, disse Rosemary Sichimba, presidente da Associação de Idosos da Zâmbia.

Cerca de um em cada cinco zambianos, ou seja 1,6 milhão dos 10 milhões de habitantes do país, são seropositivos, muitos na faixa etária produtiva de 18 a 45 anos. Segundo a Agência Central de Estatística do governo, cerca de 500 mil pessoas têm 65 anos ou mais, mas analistas independentes afirmam se tratar de uma estimativa conservadora, e acrescentam que é difícil dizer com certeza qual a população idosa das áreas rurais.

“O número de idosos no país pode chegar a 800 mil, mas tememos que este número seja reduzido pelo HIV/Sida, já que as pessoas idosas que trabalham como cuidadores e parteiras tradicionais não recebem nenhum treinamento específico nem roupas de proteção que ajudem a evitar a infecção pelo HIV”, disse Sichimba.

“As pessoas idosas são geralmente muito atenciosas, e não pensam em evitar o contacto com o sangue das pessoas infectadas [pelo HIV], o que é triste, porque se uma pessoa idosa é contaminada, fica doente e vai ao hospital, ela não vai ser testada para o HIV. O médico vai deduzir que ela não é sexualmente ativa e dizer simplesmente que é a “`idade avançada`”, disse ela.

Agora eu tenho que ficar em casa o tempo todo, ou quase. Não posso ir à igreja, a enterros, nem visitar meus amigos porque tenho que ficar com ela [a filha] e também cuidar de sua filha, que é minha neta.

''Como não existe nenhuma política de cuidado aos idosos, muitos de nós têm que trabalhar a vida inteira.''
As organizações de idosos estão pedindo ao governo que introduza mais serviços de testagem e aconselhamento voluntário destinados aos idosos. Tais centros são geralmente destinados aos jovens e administrados por jovens, que geralmente ignoram os idosos. Contrariamente à percepção popular, “alguns de nossos colegas ainda são sexualmente ativos”, comentou Sichimba.

Sobrecarregados pela perda

Modester Kalonde, de 79 anos, mora na capital Lusaka e cuida de sua neta de oito meses, que começou a apresentar doenças relacionadas ao HIV/Sida quando tinha quatro meses.

“Agora eu tenho que ficar em casa o tempo todo, ou quase. Não posso ir à igreja, a enterros, nem visitar meus amigos porque tenho que ficar com ela [a filha] e também cuidar de sua filha, que é minha neta. Eu só saio um pouco quando alguns Bons Samaritanos vêm nos visitar”, disse Kalonde. A Sociedade de Bons Samaritanos da Igreja Luterana fornece abrigo e serviços de apoio a pessoas idosas e outros necessitados.

“Não sei o que fazer, porque meus dois outros filhos ainda estão no vilarejo [fora de Lusaka]; eu só vim visitar. Na clínica, o médico me disse para trazer minha filha todos os dias para uma injeção, mas eu não tenho dinheiro, porque ela gastou tudo o que tinha em remédios e comida.”

Apesar de ser signatário de várias convenções internacionais sobre os idosos – incluindo o Plano Internacional de Madrid para o Envelhecimento, de 2002, que apela aos governos que reconheçam os direitos dos idosos – a Zâmbia não tem uma política nem leis sobre os idosos.

A ministra do Desenvolvimento da Comunidade, Catherine Namugala, disse que o governo está elaborando uma política sobre os idosos delineando as principais medidas de intervenção, incluindo uma política sobre o HIV/Sida e os idosos.

“Estamos fazendo o possível para garantir que esta política entre em vigor em dezembro deste ano [2007] ou no início do ano que vem, munindo nossa nação de diretrizes que nos ajudem a tratar da questão dos idosos. No momento, só estamos oferecendo auxílio, através de nosso Departamento de Previdência Social, a um certo número de instituições que cuidam dos cidadãos vulneráveis, a maioria deles idosos”, disse ela.

A maioria sem aposentadoria

A idade da aposentadoria na Zâmbia é de 55 anos, e a aposentadoria de um funcionário público é em média cerca de US$ 10 por mês, mas isto se aplica somente a pessoas que trabalharam no setor formal. Este setor, público ou privado, emprega cerca de 400 mil pessoas.

O aluguel de uma casa de três quartos em Lusaka, em um setor residencial de classe média, custa de 180 a 300 kwachas por mês, e muitos proprietários pedem um depósito de três a seis meses. Não existe nenhum plano de aposentadoria para pessoas que não trabalharam no setor formal da economia.

O governo introduziu um plano de assistência médica gratuita para pessoas a partir de 65 anos, mas o advogado Andrea Masiye, 70 anos, desistiu do mesmo porque “só a consulta é gratuita de verdade; não há medicamentos e nós mesmos temos que comprá-los com uma receita médica.”

“Como não existe nenhuma política de cuidado aos idosos, muitos de nós têm que trabalhar a vida inteira. Caso contrário, acabaríamos em asilos, depois de sermos abandonados pela comunidade. Essa situação levou à superlotação dos asilos, porque o governo simplesmente não tem como cuidar de seus cidadãos idosos”, disse Masiye.

Judith Bozek, enfermeira-chefe do Cheshire Divine Providence, instituição religiosa que cuida de órfãos e idosos sem-teto em Lusaka, disse: “Estamos impressionados com a quantidade de pessoas que vem nos procurar.”

“A maioria dos idosos daqui perderam seus parentes por causa do HIV/Sida ou foram abandonados por suas comunidades. É preciso restaurar a dignidade das pessoas idosas fortalecendo-os com uma renda razoável, para que eles possam cuidar de seus parentes seropositivos sem tanto sacrifício”, disse ela.

“Outros países adotam uma política de transferência universal de renda, o que confere aos idosos o direito a um rendimento. Eu acho que a Zâmbia deveria fazer a mesma coisa para solucionar os problemas que os idosos estão enfrentando”, conclui Bozek.


Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento

[FIM]

[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas]
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