SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: Adormeça o vírus... e a prevenção com ele
SÃO TOMÉ, 28 Setembro 2007 (PlusNews) - Dorviro-Sida: Adormeça o HIV. Este é o nome da nova erva medicinal anti-Sida produzida por Amâncio Valentim, presidente da Associação da Medicina Tradicional em São Tomé e Príncipe, o minúsculo arquipélago na costa do Gabão.
Três colheres de mesa do xarope acastanhado tomado todos os dias antes das refeições reduzirá a carga viral e fará com que os doentes se sintam melhor, diz ele.
“A Sida não tem cura e eu não tenho prova científica de que meu medicamento cura a Sida”, Valentim apressa-se a explicar. “Mas os quatro pacientes seropositivos que o tomaram por quatro anos agora testaram negativos.” Contudo, ele não pode mostrar nenhum teste, nem os pacientes, por causa da confidencialidade.
Valentim apresentou seu medicamento – fruto de doze anos de pesquisa, segundo ele – num evento nos Arquivos Históricos Nacionais, na capital, São Tomé, durante as celebrações do Dia Mundial da Medicina Tradicional no final de Agosto.
Transmitida na rádio e na TV, a notícia espalhou-se como fogo em palha entre os aproximadamente 160 mil habitantes das ilhas.
Duas semanas mais tarde, durante encontros de sensibilização para a Sida organizados pela organização não-governamental portuguesa Médicos do Mundo em cinco aldeias ao longo da costa a oeste da capital, choveram perguntas sobre o Dorviro-Sida: “É verdade que existe uma cura para a Sida?”
Em Guadalupe, 30 quilómetros ao interior da ilha, 28 activistas da Associação São Tomense para o Planeamento Familiar (ASPAF) fazendo sensibilização porta-a-porta sobre a Sida ouviram de muitos residentes locais que a Sida já não é problema porque existe uma cura.
“Eles ouviram isso na TV, portanto é verdade, e somos nós que não aceitamos a medicina tradicional”, diz Amado Vaz, director executivo da ASPAF.
Complacência e confusão são perigosos
A seroprevalência no país é baixa – menos de dois por cento –, mas activistas temem que a Dorviro-Sida causará complacência e enfraquecerá a prevenção no arquipélago. Conhecimento adequado da doença também é raro.
“Isto complica nosso trabalho”, diz Alzira do Rosário, chefe do Programa Nacional para a Luta Contra a Sida (PNLS). “Com esta notícia, as pessoas podem relaxar em relação à prevenção e pensar que a solução é a medicina tradicional, em vez dos antiretrovirais.”
Apresentando sua pesquisa recentemente no Instituto Politécnico em São Tomé, Maria do Céu Madureira, uma professora portuguesa de farmacologia e especialista na flora local, descreveu o anúncio de Valentim como “um pouco precipitado, porque não existe prova científica para apoiar sua afirmação, embora haja boa vontade e desejo de ajudar”.
Marcelina Costa, responsável pelo Departamento de Farmacêutica do Ministério da Saúde, foi mais dura. “O Ministério não tomou conhecimento prévio deste anúncio e não o apóia”, afirma.
Com esta notícia, as pessoas podem relaxar em relação à prevenção e pensar que a solução é a medicina tradicional, em vez dos antiretrovirais. |
Porém, na apresentação nos Arquivos Históricos Nacionais, Valentim estava ladeado pelo Ministro interino da Saúde, Armindo Aguiar, que, segundo a imprensa, encorajou o médico tradicional a continuar sua pesquisa.
O anúncio de Valentim foi coberto pelos media – rádio, TV e jornais – sem oferecer outros pontos de vista das autoridades da Sida, e até o pronunciamento de Costa na conferência no Instituto Politécnico, que contou com a presença dos media, não tinha havido qualquer refutação, oficial ou pública, do Dorviro-Sida.
“Há relutância das nossas autoridades em confrontar instituições com poder sobre a população, como os líderes tradicionais ou as igrejas”, conta Vaz.
Ervas medicinais devem ser testadas
Entre os degradados edifícios coloniais de cor pastel em numa das praças mais movimentadas da capital, os perfumes de arnica, canela, incenso e um sortido de folhas e pós exala da loja de ervas medicinais Ervanário Ginseng.
O vai-e-vem de clientes é constante na pequena loja de cerca de trinta anos, alinhada com prateleiras e gavetas feitas da preciosa madeira obscura de São Tomé, cheias de produtos do Brasil, Portugal, e China. Não vai vender Dorviro-Sida tão cedo.
“O mais difícil com a medicina ervanária é estabelecer a dosagem certa e as contra-indicações”, diz o dono da loja, Tomé Lopes Pereira. “Não vendo produtos locais porque não passaram por análises científicas. Seria bom que o medicamento do Valentim fosse testado.”
Enquanto isso, Valentim argumenta que seu objectivo era realçar a riqueza de plantas medicinais e conhecimento tradicional de São Tomé, e pressionar o governo a financiar pesquisa sobre eles.
Rica flora
Valentim tem razão. A rica diversidade biológica nas pequenas ilhas de São Tomé e Príncipe inclui mais de 700 espécies botânicas, 399 géneros, e 105 famílias.
Destas, 95 são comuns em São Tomé e 37 em Príncipe. Outras foram trazidas da América Latina, do Mediterrâneo e de África durante 500 anos de colonização das ilhas até então inabitadas, onde exploradores portugueses atracaram em 1500.
Madureira passou os últimos 14 anos a pesquisar e inventariar plantas medicinais locais, como parte de um projecto de etno-farmacologia desenvolvido em parceria pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e o Ministério da Saúde de São Tomé.
Ela trabalhou com 40 velhos e respeitados stlijons (médicos tradicionais), primeiro ganhando sua confiança, depois identificando plantas e seus usos.
Mais de metade da flora local é usada em medicina tradicional. “Estes médicos tradicionais são verdadeiras bibliotecas vivas e ambulantes, com sólidos conhecimentos das plantas locais”, diz ela.
O projecto registou mais de 1.000 fórmulas medicinais, “algumas extremamente complexas”, acrescenta Madureira. (veja requadro)
Sete dias de fermentação
Valentim vive numa humilde casa de madeira no Bairro Água Porca, logo à saída de São Tomé. A floresta começa justamente atrás de seu consultório.
Ele começou a aprender sua arte com sua mãe e sua avó aos 13 anos. Já trabalhou como carpinteiro, servente de hospital, músico e compositor, tanto em São Tomé como em Libreville, no Gabão, onde viveu por 11 anos.
Em sua sala tem duas prateleiras cheias de livros em português, inglês e francês sobre plantas, medicina alternativa e nutrição. Alguns dos 18 filhos de Valentim vão e voltam. Sua segunda mulher, Fernanda Menezes Pinheiro, também é uma médica tradicional. Sua aparência esconde seus 53 anos e 13 filhos.
No seu consultório uma nova remessa de Dorviro-Sida está a fermentar, processo que leva sete dias mais uma noite de destilação.
O medicamento é despejado em velhas garrafas de cerveja de 500 ml, fechadas com uma rolha, seladas com cera, e rotuladas com etiquetas cor-de-rosa impressas no computador: “Dorviro-Sida, mistura de plantas, capazes de adormecer a Sida. Conselho: Não te isoles da comunidade. Enfrenta a doença naturalmente. Segue o conselho do teu médico. Usa o preservativo durante o acto sexual”.
Para reforçar a última parte, um pacote de preservativos está anexo ao gargalo da garrafa.
O tratamento completo requer um mínimo de seis garrafas e um máximo de 18. Valentim aconselha os pacientes a continuar a tomar os antiretrovirais, embora um deles tenha interrompido o tratamento no ano passado porque se sentia curado.
Não tem havido formação sobre HIV e Sida para os médicos tradicionais em São Tomé. “Os médicos convencionais não querem nada conosco”, diz Valentim.
Tal formação podia ser o necessário para adormecer alegações infundadas.
ms/ll
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Photo: Mercedes Sayagues/PlusNews
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A riqueza da flora de São Tomé: medicamentos tradicionais
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Uma floresta cheia de promessas
Das centenas de plantas conhecidas dos médicos tradicionais em São Tomé e Príncipe, o estudo etno-farmacológico realizado por Céu Madureira analisou 44 espécies usadas contra infecções. Destas, 76 por cento mostraram fortes propriedades anti-bacterianas e anti-fúngicas.
Dracanao arboreea, conhecida como Pó-sabão, que é usada para lavar feridas, mostrou-se eficiente no combate a 17 espécies de fungos, incluindo a Candida albicans, causa frequente de infecções bucais e vaginais entre pacientes de Sida.
Um arbusto que cresce ao lado da estrada, a Phyllanthus urinaria, ou uetlache, no creoulo local, mostrou ser activo contra a diarréia, disenteria, e cálculos renais.
Treze plantas usadas para tratar a malária foram também analisadas. Todas foram eficazes no combate ao mosquito Plasmodium falciparum, prevalente nas ilhas e resistente à cloroquina.
A planta anti-malária mais activa é a Tithonia diversifolia. Análises da estrutura química do seu componente activo mostraram que ela pertence à mesma família da Artemisia annua, erva chinesa agora vendida como a nova fronteira contra a malária em África.
Algures nas exuberantes florestas de São Tomé, novos remédios do velho conhecimento nos esperam.
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Média, (IRIN) Pesquisa
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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