ANGOLA: Um espelho para as mulheres seropositivas
LUANDA, 26 Setembro 2007 (PlusNews) - Em 2001, Catarina Saldanha perdeu o marido. Em 2002, foi a vez da filha, que morreu aos 11 anos. E em 2003, a própria Saldanha ficou doente, com tuberculose, em Luanda.
Quando recebeu o diagnóstico de que era seropositiva, toda a família entrou em pânico. Foi graças a um pequeno grupo de auto-ajuda que Saldanha descobriu os caminhos dos medicamentos, do aconselhamento e da aceitação.
Quando se recuperou, decidiu juntar-se àquele grupo, que integrava a organização não-governamental Luta Pela Vihda.
Um ano depois, em Agosto de 2006, aquelas mulheres decidiram formar uma associação de mulheres seropositivas. O nome escolhido para a organização foi Mwenho que, em língua kimbundu, significa vida.
Naquela época, a associação era composta por 16 mulheres vivendo com o HIV. Hoje são 200. E Saldanha é a secretária-executiva da Mwenho.
Hoje a associação já actua nas províncias de Luanda, Benguela, Huambo, Huíla e Kunene e tem como presidente a deputada pelo Movimento Popular de Libertação de Angola, Maria de Lourdes Veiga.
O objectivo da Mwenho é que as mulheres seropositivas aprendam a viver positivamente, com consciência do seu problema e de como lidar com ele.
Segundo Saldanha, isso significa convencer as mulheres a fazer a testagem, seguir correctamente o tratamento médico, ajudar-se mutuamente, combater o estigma e ter mais poder no comando de suas vidas.
“As mulheres precisam conhecer a legislação para lutar contra a discriminação”, destaca a activista. “É preciso que elas rompam o silêncio.”
A Mwenho integra a Rede de Pessoas Vivendo com HIV/Sida, que reúne outras 12 organizações não-governamentais. Todas elas estão sob a coordenação da rede angolana de organizações de serviços de Sida, a Anaso.
Com uma população aproximada de 16 milhões, a seroprevalência nacional média é de 2,5%.
Rosto feminino
A Mwenho já comemora algumas conquistas. Em Março de 2006, a associação lançou em Ondjiva, na província do Kunene, a Declaração dos Direitos Humanos das Mulheres Vivendo com HIV/Sida.
O Kunene é a província angolana com a seroprevalência de mais alta: 10,6%.
De 2006 até hoje, a associação registou um aumento no número de denúncias de violação dos direitos das seropositivas.
Na maioria dos casos, os maridos expulsam de casa as esposas seropositivas. Como o processo no tribunal é demorado, a Mwenho tenta, em paralelo, fazer um trabalho de aconselhamento do casal, para que o marido continue pelo menos a sustentar os filhos.
A Sida tem um rosto feminino. |
“A Sida tem um rosto feminino”, ressalta Saldanha. “Quando a mulher faz o teste de HIV durante a gravidez e recebe um resultado positivo, o marido se volta contra ela. Quando uma criança recebe o diagnóstico de que é seropositiva, o pai também responsabiliza a mãe.”
“Por isso, os homens também devem se submeter ao teste, para que não culpem sempre a mulher”, continua.
Uma das associadas da Mwenho, Rosa Pedro, 37 anos, viveu este drama. Ao enfrentar uma série de infecções oportunistas, ela viu o marido sair de casa, sem dar apoio nem a ela nem ao filho.
Quando soube que era seropositiva, foi procurar o marido e o encontrou a viver com outra mulher. Ao lhe contar o diagnóstico, ouviu dele que “ela tinha ido procurar a doença”.
Quando o marido ficou doente, foi Rosa Pedro quem cuidou dele e descobriu que a primeira mulher dele havia morrido de Sida e que a nova esposa também estava infectada. (leia mais aqui)
Maternidade seropositiva
A Mwenho trabalha na também na conscientização das equipas médicas das maternidades. Para Rosa Pedro, a informação é essencial para aumentar a adesão das mulheres ao teste do HIV durante o pré-natal.
Segundo ela, muitas mulheres não querem fazer o teste, com medo de ser discriminadas por enfermeiros e médicos durante o parto.
“Em algumas maternidades, no dia do parto, o cartão das gestantes seropositivas é acompanhado por uma carta. Muitas mães, com medo do estigma, rasgam a carta e submetem-se ao parto sem que a equipa médica saiba do seu estado”, conta.
Outra consequência do estigma é que muitas mães seropositivas acabam por amamentar seus bebés para evitar comentários e perguntas. A solução seria a implantação de bancos de leite e fórmula nas maternidades, como pleiteia a associação.
A Mwenho também tem se preocupado com o aumento de casos de gravidez em mulheres vivendo com HIV nos últimos três anos.
“Depois que tomam conhecimento do programa de corte de transmissão vertical, muitas seropositivas decidem engravidar sem consultar seu médico, porque temem que ele se oponha à ideia”, diz Saldanha. “Outras vezes, a consulta demora a ser marcada e quando voltam a se encontrar com o médico, já estão grávidas.”
Mas as associadas do grupo não desanimam do objectivo de “ser um espelho” para outras mulheres vivendo com HIV.
A agenda das activistas é cheia. Cada uma faz semanalmente cerca de 8 a 10 visitas domiciliares, onde dão aconselhamento e esclarecem dúvidas sobre o tratamento.
Em 22 de Agosto, a Mwenho completou um ano de vida, mas não houve tempo para festa. Pedro e outras activistas estavam numa formação sobre comunicação. Saldanha estava no Brasil, a participar do Segundo Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Sida.
O nome da associação é Mwenho. Mas também poderia ser Kidimakagi (guerreira).
(ms/ll/ms)
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Gênero, (IRIN) Prevenção, (IRIN) PVHS/ONGs, (IRIN) Estigma/Direitos Humanos/Leis
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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