ANGOLA: Sida campeã de audiência

Photo: IRIN  |
A ficção influencia na realidade: Radionovela incentiva os ouvintes a testar para o HIV. |
LUANDA, 4 Outubro 2007 (PlusNews) - Há tempos que o professor Jacob Ganga estava preocupado com o comportamento do camionista Mário. Com uma namorada em cada parada, Mário não usava preservativo e nem acreditava na existência da Sida.
“Se Mário não corrigir seu comportamento, vai se dar mal”, pensava Ganga.
Mário é um dos 16 personagens de Camatondo, uma novela de rádio produzida pelas Redes de Informação Regionais Integradas, das Nações Unidas, que vai ao ar pela Rádio Nacional de Angola.
Já o professor Jacob Ganga, de 31 anos, que mora no Uíge, é um dos inúmeros fãs da novela que retrata o dia-a-dia da população rural angolana e que se tornou uma paixão nacional, como mostram centenas de cartas e telefonemas recebidos pela produção do programa.
No início deste ano, o HIV ganhou destaque no enredo com o personagem Mário. O camionista é um ex-militar desmobilizado que não queria saber de casamento.
O actor Pedro Hilário Belson, que interpreta o papel, destaca que “Mário, como muitos angolanos, acreditava que Sida não passava de publicidade, uma doença inventada para vender preservativos”.
Esse comportamento de risco de Mário continua até ele descobrir que uma antiga namorada era seropositiva.
A autora da novela, Inês José, explorou vários mitos ligados à doença: o medo de fazer o teste, a falta de confidencialidade, a desinformação e o estigma. “Muitos pensam que se alguém vai fazer o teste é porque tem Sida”, diz.
Belson, mesmo tendo sido activista da Sida, conta que foi difícil interpretar as situações de preconceito. “Eu me lembrava dos seropositivos que conheci e chorava durante as gravações”, recorda.
Mário, como muitos angolanos, acreditava que Sida não passava de publicidade, uma doença inventada para vender preservativos. |
Ao final, Mário recebe o resultado negativo do teste e muda de comportamento: adere ao preservativo e torna-se um activista, a conscientizar outros camionistas e os moradores de Camatondo.
E como a vida imita a arte, ao final das gravações, Belson também refez seu teste de HIV. “Só por garantia”, explica.
O camionista e a activista
José também usou outra personagem para desmitificar a doença. A personagem Elisa, de 18 anos, retorna à fictícia vila de Camatondo, após ter vivido 16 anos na Zâmbia, para onde sua família fugiu da guerra civil em Angola.
“Inicialmente, a expatriada não é bem recebida em sua aldeia natal porque muitos angolanos acreditam que são os estrangeiros que trazem a Sida para o país”, explica.
Camatondo fica na província central de Bié, a cerca de 700 quilómetros ao sul da capital Luanda.
Mas Elisa ganha a confiança da comunidade. É ela quem convence Mário a fazer o teste, com o argumento de que Sida tem tratamento e que, quanto antes ele souber do seu estado, melhor.
A actriz Zulmira Brito, que interpreta a personagem, se diz feliz em saber que a novela incentivou alguns ouvintes a se submeter à testagem.
Bié, a província do fictício Camatondo, já tem tratamento antiretroviral e três centros de testagem e aconselhamento. Segundo dados oficiais, a seroprevalência local foi de 0,8% em 2005.
Um grande fã de Elisa é o conselheiro técnico de comunicação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), João Soares.
“A personagem, em seu papel de educadora, consegue reduzir a discriminação contra os expatriados”, diz. “Eu, como ouvinte assíduo, já fico à espera de que ela intervenha nos problemas. Quando ela fala, com seu acento, é um marco.”
Nos próximos meses, a discussão sobre Sida vai ganhar mais impacto em Camatondo: o casal central da trama será infectado pelo HIV.
A autora quer discutir fidelidade, corte vertical e levar os ouvintes a reflectir sobre o peso das tradições culturais na vida cotidiana, como poligamia e a pressão social para que o casal tenha filhos logo após o casamento.
Do rádio para as salas de aula
O primeiro episódio de Camatondo foi ao ar em 11 de Maio de 2005. Em Luanda, a radionovela vai ao ar às segundas-feiras, às 17:30, e é reapresentada no mesmo horário, às quartas-feiras. Nas províncias, o horário varia.
Radionovelas não são novidade em Angola, mas Camatondo é a primeira a ter tamanha audiência – segundo sua autora, “porque discute coisas reais”.
“Aproveito notícias que leio nos jornais, casos que as pessoas me contam”, revela. “A mensagem é mais eficaz porque os ouvintes se identificam com as estórias.”

Photo: IRIN Radio  |
O micro-universo de Camatondo reflecte a realidade angolana, diverte e educa. |
Soares avalia que, quanto mais diversificadas as mensagens, maiores as chances do público apreender, principalmente quando se envolve mudança de comportamento, como o HIV e Sida.
Ele sabe o que diz. Desde 1987, e durante vários anos, Soares apresentou um programa na rádio Voz da América. Agora quer utilizar capítulos do Camatondo em formações em escolas e organizações não-governamentais.
“Camatondo cativa crianças e adultos. Poucas vezes um programa conseguiu abranger um público tão amplo”, diz. “Um dos motivos é o uso de uma linguagem popular, entendida por pessoas de Cabinda ao Kunene.”
Ele também aplaude a equidade de género. “A novela mostra que as mulheres podem ter voz activa e participante”, afirma.
(ms/ll/ms)
|
Tema(s): (IRIN) Média
[FIM] |
[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
|
|
|
|