QUÉNIA: Pequenas organizações de SIDA lutam por transparência
Photo: Manoocher Deghati/IRIN |
ONGs corruptas afetam pessoas que realmente precisam de ajuda |
NAIRÓBI, 13 Junho 2007 (PlusNews) - “Farsa”, “fantasma” ou “pasta” são alguns dos nomes usados pelos habitantes da favela de Kawangware, na capital queniana de Nairóbi, quando se referem às organizações criadas em princípio para melhorar suas condições de vida, mas que acabam enchendo os bolsos de seus fundadores.
Freda Njeri, também conhecida como Mama Joseph, dirige um grupo de auto-ajuda para pessoas seropositivas no centro de Kawangware e diz que já foi testemunha de muita corrupção nas organizações comunitárias em que trabalhou.
“Algumas ajudam pouco e guardam grandes quantidades de dinheiro para eles”, disse ela. Njeri, que também é seropositiva, contou como a fundadora de um dos grupos em que trabalhou, Alice Kiragu (nome fictício), fez propostas de grandes somas que seriam destinadas para auxiliar o grupo de mais de 150 membros seropositivos.
“Alice recebeu 350.000 shillings (US$ 5.000) do governo em 2001 e 520.000 shillings (US$ 7.428) do Plan Kenya em 2004, mas os membros nunca viram este dinheiro”, disse.
“Utilização fraudulenta, má administração, falta de boa vontade e transparência, falsificação de livros de contabilidade foram comuns durante muito tempo”, disse Lucky Ndugi, assistente social de outra organização comunitária em Kawangware. “Muitas vezes não ficamos sabendo como o dinheiro foi usado.”
Em dezembro de 2006 havia 73 grupos de auto-ajuda; seis organizações comunitárias e pelo menos cinco grandes ONGs registadas nos arquivos do governo local de Kawangware.
A seroprevalência do HIV no Quénia é de somente 6 por cento, mas as más condições de vida, a alta taxa de alcoolismo e de abuso de drogas e os índices de tuberculose e HIV nesta área fazem destas pequenas organizações uma ferramenta vital na luta contra a epidemia.
O número de ONGs no Quénia continua a aumentar – hoje existam cerca de 4.800 ONGs no país, comparado com somente 100 em 1990. Em resposta à propagação destes grupos, o governo criou o Conselho Nacional de ONGs e o Comitê de Coordenação das ONGs para regulá-los.
Mas conforme as recém-formadas ONGs prosperavam, as medidas rigorosas de controle e as exigências por transparência e padrões mais elevados de administração deixavam a desejar.
Pouca fiscalização desde o início
Segundo Aquilino Aciita, representante legal do Conselho Nacional de ONGs, os abusos continuam a existir e é preciso estabelecer novas regras. “Denunciamos cerca de 20 casos de corrupção por ano dentro das ONGs, mas pelo menos 100 deixam de ser reportados.”
Em 2003, ao perceber a amplitude dos abusos, o governo interrompeu o financiamento das ONGs e das atividades das organizações comunitárias.
“O Conselho Nacional de Controle da Sida (National Aids Control Council – NACC) reteve os fundos porque não tinha como controlar o destino do dinheiro”, disse Ndugi. “O Conselho precisava de tempo para instaurar um controle melhor e tornar o sistema mais transparente.”
O NACC foi criado em 1999 para coordenar todas as atividades relacionadas ao HIV/Sida no país, mas foi também vítima de alegações de corrupção.
Em 2005, um relatório da Unidade de Monitorização de Eficiência (EMU, em inglês) do Gabinete do Presidente revelou práticas de desvio de fundos e fraude. O NACC foi acusado de gastar a maior parte dos fundos em despesas administrativas e salários, enquanto somente seis por cento era destinado aos programas contra a Sida.
Controles mais rígidos
Em resposta ao relatório da EMU, o governo prometeu averiguar os casos de corrupção e desvio de fundos e monitorar os contratos de desempenho e reforçar os sistemas de monitoração e avaliação.
A maioria dos outros doadores estabeleceu desde então critérios mais rigorosos para que ONGs que sejam potenciais beneficiárias possam pedir financiamento.
“Antes era fácil: era só criar um grupo, registá-lo, mostrar seu certificado, fazer uma proposta e você conseguia os fundos”, disse Timothy Kiarie, que trabalha numa organização comunitária em Kawangware. “Mas hoje os doadores são mais exigentes.”
Hoje, é preciso submeter formulários detalhados do projeto antes que qualquer proposta seja considerada, e muitos diretores de ONGs estão sendo orientados quanto à importância de prestação de contas e transparência.
Para se afiliar ao Consórcio Queniano de ONGs sobre a Sida (Kenyan AIDS NGOs Consortium - KANCO), por exemplo, as ONGs devem fornecer uma “cópia do certificado de registo da organização, com a autorização oficial do ministério correspondente, duas cartas de referência de representantes oficiais específicos e o mais recente relatório de atividades da organização”, disse Elizabeth Ogechi, assistente do centro de recursos do KANCO.
Mais controles ou melhores controles?
Apesar dos novos controles, muitos argumentam que os desvios de fundos continuam e que ainda há muito a ser feito para garantir que o dinheiro chegue a seus reais beneficiários.
“A tentação ainda é muito grande. O problema maior é a pobreza. A maioria das pessoas vê o setor de ONGs como um biashara (negócio, em Kiswahili)”, disse Ndugi.
Segundo funcionários de ONGs em Kawangware, mesmo quando a utilização dos fundos é transparente, sua distribuição é injusta: uma pequena porção do orçamento é destinada aos habitantes de Kawangware, enquanto os diretores executivos recebem altos salários, vivem em casas luxuosas e dirigem veículos 4x4.
Kiarie disse que seria importante que doadores monitorassem e avaliassem pessoalmente os projetos que financiam. As alegações de corrupção, completou ele, só servem para dissuadir os doadores, prejudicando ONGs honestas.
“Ao invés de estabelecer mais controles, deve-se melhorar a qualidade daqueles já existentes; com doadores paranóicos não há mais dinheiro para ajudar a comunidade”, disse ele.
O Conselho Nacional de ONGs e o Comitê de Coordenação das ONGs concordam que há necessidade de melhores procedimentos administrativos e legais, mas ao invés de criar outro órgão, é preciso melhorar as medidas existentes.
Representantes do Conselho e do Comitê também consideram que suas tentativas de controlar as atividades das ONGs são refreadas pela falta de firmeza, já que não podem fazer muito para penalizar as organizações faltosas.
“A função principal do Comitê de Coordenação das ONGs é registar, coordenar e facilitar as operações das ONGs”, disse David Isoe, diretor executivo do Comitê. “Nós não temos o poder de prender.”
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Tema(s): (IRIN) Economia/Negócios, (IRIN) PVHS/ONGs
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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