MOÇAMBIQUE: Disque auto-estima e dinheiro
MACHAVA, 2 Outubro 2007 (PlusNews) - Há quatro anos, seis seropositivas de Machava, distrito a 15 quilómetros da capital Maputo, desafiaram a organização não-governamental britânica Volunteers Services Overseas (VSO).
“Elas garantiram que se recebessem apoio inicial, não lhes faltaria vontade de ganhar a vida para si e seus filhos”, recorda Etelvina Mahanjane, representante da VSO.
Sua organização aceitou a proposta e deu a cada mulher uma sombrinha e um telemóvel, com crédito em chamadas no valor de US$ 20.
Cumprindo sua parte do acordo, as seropositivas abriram um negócio inusitado e rentável: venda de chamadas telefônicas.
“Com a venda, ganho o suficiente para comprar comida, medicamentos e roupa para mim e meu filho, que também é seropositivo”, diz Carolina Simbine, uma jovem atenciosa que há três anos vende chamadas telefônicas numa esquina próxima à sua casa.
Os pontos de venda são pequenas barracas em lugares públicos ou a casa da própria mulher. A venda é controlada por um relógio que regista a duração da chamada e o valor a ser pago pelo cliente.
Orlanda Matsinhe, que há dois anos trabalha do seu quintal, afirma que não sabe “se estaria ainda viva se não tivesse entrado neste comércio.”
A iniciativa foi tão bem sucedida que algumas mulheres conseguiram até expandir o negócio.
Ganho o suficiente para comprar comida, medicamentos e roupa para mim e meu filho. |
“Além das chamadas, vendo tomate, óleo, couve, cebola e arroz aqui mesmo do meu quintal”, diz Gina António, de 39 anos.
Ela agora pretende vender petróleo e carvão, muito usados para gerar luz e cozinhar, respectivamente.
Com as vendas, as mulheres recarregam semanalmente os telefones e lucram, no mínimo, US$ 40 por mês.
Pontapé inicial
O projecto é apoiado pela Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Local (AMDL), que ajuda a VSO a encontrar as seropositivas e coordena a distribuição dos telefones.
Claudina José, coordenadora da AMDL, conta que a iniciativa permitiu que as beneficiadas não dependessem mais financeiramente de seus familiares – uma realidade bem diferente da enfrentada pelos seropositivos há quatro anos.
“Antes nós precisávamos levar alimentos durante nossas visitas, pois a desnutrição e a Sida as deixavam muito fracas”, lembra José.
Bundai Mundeta, coordenadora regional da VSO em Pretória, na África do Sul, afirma que “os vizinhos antes se afastavam destas mulheres, mas hoje vão até a casa delas e batem na porta para pedir por chamadas.”
Apesar do sucesso com os telefones, a morte de quatro das seis pioneiras desta iniciativa trouxe uma dificuldade inesperada.
“Quando isso acontece, o projecto prevê que os familiares devolvam o celular à associação para beneficiar outras seropositivas, mas muitas vezes eles se recusam”, afirma José.
Porém, as duas beneficiadas que sobreviveram abriram barracas e aproveitam a independência financeira proporcionada pelo pontapé inicial dos celulares. Hoje elas também vendem alimentos, sem depender exclusivamente das chamadas.
Tanto Mahanjane quanto José concordam que o projecto ajudou a mudar a concepção de que os seropositivos são apenas mais uma boca para alimentar e, principalmente, ajudou essas mulheres a recuperar a auto-estima.
“Os seropositivos podem ser muito produtivos, mas os representantes das associações devem ser criativos”, disse José. "Gostaríamos de ampliar o projecto e entregar telemóveis às 50 pessoas seropositivas com quem trabalhamos, mas não temos financiamento."
Apesar de o número de mulheres no programa ter sido pequeno, a experiência foi encorajadora.
Acreditando na vontade dos seropositivos de trabalhar, a AMDL já investe em novos projectos: vai formar nos próximos meses 25 seropositivas em corte e costura e dar a órfãos formação em carpintaria.
(ac/lb/ll/ms)
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