MOÇAMBIQUE: Abstinência e fidelidade – a aposta das igrejas evangélicas
MAPUTO, 20 Setembro 2007 (PlusNews) - Domingo, oito horas da noite. Quase 200 jovens se reúnem para o culto da Igreja do Nazareno na Matola, cidade a cerca de 15 quilómetros da capital Maputo. Nos bancos à esquerda do altar, sentam os rapazes, à direita, as raparigas. Nas paredes, alguns cartazes lembram a problemática da Sida.
Desde 2005, com apoio da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), esta igreja desenvolve um projecto designado por ABY, sigla em inglês para abstinência, fidelidade e juventude.
Todos os domingos depois do culto, jovens que integram este projecto se reúnem para discussões sobre adolescência, sexualidade e Sida.
Mas quando a assunto é a prevenção do HIV, o preservativo não é mencionado.
“Apenas a fidelidade e a abstinência evitam o HIV”, disse o coordenador da ABY, Orlando Macave.
Para Alice Machalele, 32 anos, “não há necessidade de se falar do preservativo, pois Deus aconselha fidelidade entre os parceiros.” Ela veste uma camiseta com as escritas: “Tu és capaz! Escolha Abstinência até ao casamento.”
A mesma opinião quanto ao uso da camisinha se repete na Igreja Evangélica Assembléia de Deus, em Maputo.
Apenas a fidelidade e a abstinência evitam o HIV. |
“O preservativo não previne contra o HIV porque incentiva as pessoas a se relacionarem com vários parceiros e, como consequência, muitos se infectam”, disse Ércia Mucavele, 23 anos.
A Sida, segundo os evangélicos
No culto das seis da tarde, numa das Igrejas Universais do Reino de Deus (IURD) da cidade de Maputo, o pastor Pedro Garcia, homem carismático e de voz forte, convida os cerca de 30 crentes a se aproximarem do altar, onde há uma grande cruz de madeira e uma bandeira de Moçambique.
“Em nome de Jesus, que sejam queimados todos os males que provocam o desemprego, as doenças e a pobreza”, rezava o pastor, enquanto um jovem tocava piano no altar, no fundo do templo de paredes brancas e pé direito alto.
Depois do culto, Garcia disse ao PlusNews que sua igreja não incentiva o uso do preservativo, mas também não o condena.
“Só achamos que a fidelidade e a abstinência são mais eficazes”, explicou.
Para ele, a Sida “já existia há muito tempo como outras doenças, mas a partir do momento em que o homem começou a pecar, o diabo aproveitou-se dela [a Sida] para levar consigo grande parte das pessoas que não obedecem às regras de Deus.”
Já para Macave, da ABY, a Sida é uma doença como outras, não um castigo divino: “Deus quer nos ver todos felizes e saudáveis.”
Emília Adriano trabalha na área de cuidados domiciliários e prevenção do HIV na rede moçambicana de organizações contra Sida, a MONASO. Para ela, não citar o preservativo limita as possibilidades de proteção contra o HIV.
“Mesmo entre os crentes evangélicos, a prática do sexo com múltiplas parceiras é uma realidade”, disse. “O que eles fazem para se prevenir? Nada?”
Para a psicóloga e técnica da área de HIV e Sida da organização internacional Visão Mundial, Vanessa Vaíla, “os pastores falam da fidelidade, mas muitos têm mais que uma esposa.”
Um relatório com indicadores da epidemia de Sida na África Austral, publicado pela USAID em 2006, indica que 17 por cento dos homens casados na cidade de Maputo têm duas esposas.
O mesmo estudo mostrou que apenas 35 por cento dos homens em Moçambique usam o preservativo nas relações extra-conjugais, contra 25 por cento das mulheres.
Qualquer ajuda é bem-vinda
Apesar de a maioria das igrejas evangélicas não citar o preservativo para prevenção do HIV, elas têm um papel importante na resposta das comunidades à Sida, especialmente dada a grande proliferação destes cultos no país nos últimos anos.
Só na província de Maputo já são cerca de 80 templos da IURD e 60 igrejas do Nazareno, segundo os pastores responsáveis. As duas cresceram, respectivamente, numa média de 40 e 20 por cento em comparação há cinco anos.
Além dessas, outras denominações também se multiplicam, tanto nas áreas urbanas quanto rurais.
Desde 2004, a Visão Mundial está a treinar líderes religiosos – católicos, evangélicos e islâmicos – para incentivá-los a criar grupos de prevenção do HIV e assistência aos seropositivos.
Na Igreja do Nazareno, o trabalho dos jovens da ABY inclui visitas domiciliárias aos crentes doentes, alguns com HIV.
“Já encaminhamos muitos seropositivos ao hospital”, disse Macave.
A IURD, através da Associação Beneficiária Cristã (ABC), oferece almoço todas as sextas-feiras a cerca de 80 carentes, incluindo seropositivos. Freqüentemente, doam matérias escolares para órfãos com o dinheiro obtido junto aos féis.
“Muitos seropositivos já tinham desistido de viver, mas voltaram à vida normal e a exercer seus trabalhos depois da nossa ajuda”, afirma o pastor e director da ABC, Jossefat Armando Chilaule.
Segundo o sociólogo e coordenador do Núcleo Provincial de Combate à Sida da cidade de Maputo, Samuel Quive, é preciso aproveitar o trabalho das igrejas evangélicas e de todos que queiram ajudar contra a epidemia.
“Seja o uso do preservativo, a fidelidade ou a abstinência sexual, o que for bem usado e contribuir para evitar novas infecções do HIV será bem-vindo”, afirmou Quive.
ac/lb/ms
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Tema(s): (IRIN) Artes/Cultura, (IRIN) Prevenção, (IRIN) Juventude
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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