MOÇAMBIQUE: Raízes e folhas - o valor dos curandeiros
ESPUNGABERA, 31 Agosto 2007 (PlusNews) - O curandeiro Adolfo Rui, 62 anos, nunca foi à escola. Sua infância foi dedicada a ajudar seu pai, também curandeiro.
Rui é famoso na província de Manica, região central de Moçambique, onde actua, e seus atendimentos são concorridos. Enquanto conversa, arruma num cesto de palhas as raízes que acaba de colher do mato, para usar no tratamento de seus pacientes.
Mas suas habilidades não se limitam à medicina tradicional. Esse homem de cabelos brancos tem também conhecimentos básicos sobre HIV, malária e outras doenças, que aprendeu num treinamento pela Direcção Provincial de Saúde de Manica.
Essa cooperação, tão bem representada na pessoa de Rui, é um dos pilares do quarto aniversário do Dia da Medicina Tradicional Africana em Moçambique: “Valorizar a investigação e desenvolvimento da medicina tradicional na região africana”.
Durante a semana de festividades, que se estendeu de 24 a 31 de Agosto em Espungabera, no sul da província, e incluiu jornadas de medicina tradicional e palestras nas escolas secundárias, profissionais de ambas as práticas enfatizaram a importância do casamento das duas medicinas para fazer frente a doenças endémicas como malária, HIV e tuberculose.
“A colaboração entre a medicina tradicional e a convencional implica respeito mútuo, pois é um valor que o país possui. Essa colaboração também deve se basear na pesquisa e reconhecimento da sua importância”, disse Adelino Mutata, presidente da Associação de Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO), em Manica.
Mutata, 57 anos, os últimos 19 como curandeiro, herdou a carreira de seu avô. Para ele, a medicina tradicional tem muito a contribuir na busca de novas fórmulas para acompanhar a evolução das doenças em Moçambique.
Dados do Ministério da Saúde (MISAU) mostram que a medicina tradicional é, para muitos, o único recurso disponível em caso de doença, já que a maior parte da população do país reside em áreas rurais. Mais de metade dos moçambicanos vive a mais de 20 quilómetros da unidade sanitária mais próxima.
“Além disso, a própria crença nos médicos tradicionais nas zonas rurais faz com que a população recorra primeiro a eles”, disse Arão Uaquisso, coordenador do Núcleo Provincial de Combate a Sida de Manica.
Guardar o conhecimento tradicional
Segundo a AMETRAMO, existem 1.250 médicos tradicionais em Manica entre curandeiros (com conhecimentos de utilidade medicinal de raízes e folhas) e profetas (que têm conhecimentos mágicos e professam religiões).
A colaboração entre a medicina tradicional e a convencional implica respeito mútuo, uma vez que se trata de um valor que o país possui. |
A Organização Mundial da Saúde define a medicina tradicional como “a combinação total de conhecimentos e práticas usados no diagnóstico, prevenção ou eliminação de doenças físicas, mentais ou sociais e que podem assentar-se, exclusivamente, em experiências passadas, bem como na observação transmitida de geração em geração por via oral ou escrita”.
São estes conhecimentos que importa guardar, destacou a vice-ministra da Saúde Aida Libombo, também presente nas comemorações em Espungabera: “É preciso aproveitá-los, porque há doenças que os médicos tradicionais conseguem tratar. Por isso definimos três áreas estratégicas na colaboração entre a medicina tradicional e a convencional: HIV/Sida, malária e doenças da infância.”
Alguns resultados positivos já foram observados quanto à aplicação da medicina tradicional no tratamento de algumas doenças oportunistas causadas pela Sida, segundo Uaquisso, do Núcleo Provincial de Combate a Sida de Manica.
“Seria necessário um estudo científico para comprovar se a administração de raízes e folhas está a dar efeito ou não”, explicou. “Mas devo dizer que existem muitas iniciativas e, olhando pela aderência dos pacientes, as raízes medicinais estão minimizando de alguma forma os efeitos da Sida.”
Nesse sentido, o MISAU tem investido na formação de médicos tradicionais na área de prevenção da Sida e cuidados primários de malária e diarréias. A iniciativa também procura sensibilizá-los para enviar os pacientes com quadros graves rapidamente ao hospital.
Valorizada novamente
A medicina tradicional em Moçambique é uma prática secular, que foi marginalizada durante o período colonial. Mesmo após a independência, o socialismo implementado a classificava como obscurantismo e tradicionalismo, segundo Cristiano Matsinhe, autor do livro Tábula Rasa – Dinâmica da Resposta Moçambicana ao HIV/Sida.
Foram necessários anos para que a medicina tradicional voltasse a ser valorizada. Em 1990 foi criada a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique, e em 2004 o governo criou o Instituto de Investigação da Medicina Tradicional.
Hoje a Política da Medicina Tradicional também determina o direito da propriedade intelectual dos curandeiros para a protecção dos seus conhecimento e descobertas.
A União Africana declarou 2001-2010 como a década de desenvolvimento da medicina tradicional africana para valorizar e promover a sua integração no sistema de saúde.
Alguns resultados dessa integração já se fazem sentir no dia-a-dia.
“Por serem figuras de confiança, os curandeiros, que geralmente também são líderes comunitários ou secretários dos bairros, estão sendo convidados pelas organizações a convocar reuniões e a fazer palestras de sensibilização do HIV e outras doenças”, sublinhou Uaquisso.
(ac/ll/ms)
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Tema(s): (IRIN) Artes/Cultura, (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Prevenção
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