MOÇAMBIQUE: Fátima, o sheik e a mesquita
PEMBA, 3 Setembro 2007 (PlusNews) - A voz melodiosa do sheik Muhamade Aboulai Cheba ressoa nas casas de colmo e coral, escondidas atrás de cercas de bambu de quatro metros de altura. O Oceano Índico brilha entre os troncos altos e finos das palmeiras, nas curvas dos becos estreitos e arenosos.
Esta é Paquitequete, o mais antigo bairro de Pemba, capital de Cabo Delgado, a mais setentrional província de Moçambique.
No sermão de hoje na mesquita local, Cheba encoraja a tolerância para com o crescente número de refugiados somalis e congoleses que abrem lojas ao longo da principal avenida de Pemba.
Mas em muitas sextas-feiras, Cheba prega sobre a Sida. “Nós ensinamos as pessoas como se proteger e como lidar com a doença se a contraírem”, disse Cheba ao PlusNews.
A seroprevalência em Cabo Delgado, que faz fronteira com a Tanzânia, é de 8.6 por cento, a mais baixa do país. A média nacional é de 16.2 por cento.
Comerciantes árabes trouxeram a fé islâmica para a costa oriental de África por volta do século VIII. Em Cabo Delgado, cerca de 80 por cento dos 2.5 milhões de habitantes são muçulmanos. Cerca de um quarto dos quase 20 milhões de moçambicanos são muçulmanos.
O velho Paquitequete tem uma história de que se orgulha e sua mesquita verde e branca, entre a colina e a praia, é a mais prestigiada da cidade. O movimentado bairro se aquieta às sextas-feiras depois das 11 da manhã, quando a mesquita enche.
O poder da palavra
Cheba conhece o poder da palavra: “Num lugar de culto as pessoas prestam maior atenção”.
Num lugar de aprendizagem também. Cheba é director provincial de 139 madrassas (escolas islâmicas) registadas na província, onde os alunos começam a aprender sobre a Sida aos seis anos, “de maneira apropriada, usando metáforas, sem mostrar preservativos”.
Seguindo os ensinamentos islâmicos, Cheba insiste na fidelidade entre os casais e em adiar o sexo até ao casamento. Preservativos não são recomendados.
Muitas mesquitas organizaram equipes que visitam doentes e órfãos em suas casas. A organização não-governamental portuguesa Médicos do Mundo treinou uma dúzia de muçulmanas, incluindo a esposa de Cheba, em cuidados domiciliários. Os órfãos estão isentos das mensalidades escolares – cinco contos por mês, que equivalem a 5 centavos de dólar – nas madrassas e recebem comida e roupas.
Muçulmanos seropositivos são encorajados a procurar grupos de apoio, diz Nassurulahe Dula, presidente do Congresso Islâmico de Cabo Delgado, a maior congregação islâmica na província.
Tudo isto ajuda. Mas alguns activistas de Sida em Pemba irritam-se com as pregações de Cheba: “Esta doença é um castigo divino; o Profeta disse que uma doença sem cura e de morte súbita é castigo por adultério.”
Ele se apressa a explicar que “tal como o tsunami na Indonésia, a Sida é um castigo que afecta os que fazem bem e os que fazem mal. As pessoas devem se arrepender e voltar para Deus.”
Uma boa muçulmana
Maria de Fátima Bacar, de 44 anos, é uma mulher grande e amigável, que mora a 20 quilómetros de Pemba. Ela tem um filho vivo, três mortos e dois netos, que ela adora.
Em Junho de 2003, seu marido, um policial, ficou doente. A primeira mulher dele tinha morrido há algum tempo. Tanto os testes de Bacar quanto de seu marido voltaram positivos para HIV. Eles foram uns dos primeiros em Cabo Delgado a começar o tratamento antiretroviral.
O interesse de Bacar em questões de saúde, resultado de 20 anos trabalhando como servente no posto de saúde local, ajudou-os a lidar com o vírus.
O casal organizou um grupo de apoio na aldeia onde vivem, a Associação Para Ajudar o Próximo, que agora tem 22 membros e cuida de 12 crianças seropositivas. Eles visitam os doentes, ajudam com os funerais, garantem que os órfãos frequentem escola, e encorajam as pessoas a fazer testes de HIV no posto de saúde local. “ Cinquenta e sete no mês passado”, diz Bacar, com orgulho.
Bacar não está satisfeita com o que ouve nas mesquitas. “A Sida não é um castigo divino. Qualquer um que disser que a Sida é um castigo diz por ignorância”, afirma ela.
“Sou uma boa muçulmana. Nunca fiz nada fora da minha fé. Sempre fui uma esposa fiel e honesta, mas peguei o HIV através do meu marido”, explica. “Ao invés de acolher as pessoas, eles nos rejeitam.”
A ligação entre a Sida e sexo é há muito um assunto delicado para organizações religiosas que promovem regras e comportamentos sexuais estritos.
“Nós encorajamos a Sida pela nossa maneira de vestir, mostrando barrigas e tentando os homens”, diz Awash Ingles, uma proeminente líder muçulmana que frequenta a mesquita de Paquitequete.
Como a malária
O Islã tem “ imensos problemas” para lidar com a Sida em Cabo Delgado, diz Diquessone Rodrigues, coordenador provincial da Monaso, a rede nacional de organizações para os serviços da Sida.
“Devemos tentar mudar a crença de que a Sida é um castigo divino porque as meninas vestem tchuna-babies (jeans apertados) e fazem sexo antes do casamento”, diz Diquessone.
A Monaso está se reunindo com grupos de mulheres associadas às mesquitas para tentar mudar suas percepções e encorajá-las a trazer mudanças. “Elas podem falar (sobre a Sida) nas mesquitas e nas madrassas”, diz Diquessone.
Outro potencial aliado é o Núcleo Provincial Contra a Sida, que planeja se reunir com as autoridades islâmicas na segunda metade deste ano.
“Queremos trabalhar com os líderes islâmicos para mudar este discurso porque fere os seropositivos ouvir que a Sida é um castigo de Deus”, disse o director do Núcleo, Teles Manuel Jemuce.
A idéia é cutucar gentilmente a mentalidade muçulmana em Cabo Delgado em direcção a um ponto comum com Bacar, que diz que “A Sida não tem preferência por muçulmanos, cristãos ou pagãos. Ela é como a malária: somos todos iguais em sua presença.”
(ms/ll)
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Tema(s): (IRIN) Artes/Cultura, (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Prevenção, (IRIN) Estigma/Direitos Humanos/Leis
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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