ÁFRICA DO SUL: Novo relatório confirma que nutrição não substitui tratamento

Photo: Antony Kaminju/IRIN  |
Pesquisadores notaram confusão sobre o papel da nutrição no HIV |
JOHANNESBURG, 29 Agosto 2007 (PlusNews) - Um novo relatório concluiu que não existem provas de que uma alimentação melhor pode substituir o tratamento antiretroviral (ARV). Esta informação pode parecer banal em qualquer outro lugar do mundo, mas não na África do Sul, onde a questão da nutrição tem sido maculada por um debate pernicioso que tende a apresentá-la como uma alternativa aos ARVs.
As declarações feitas pela ministra da Saúde, Manto Tshabalala-Msimang, sugerindo que a ingestão de alho, beterraba e azeite de oliva poderia retardar a necessidade do tratamento antiretoviral, criaram uma grande confusão no país que tem o maior número de casos de HIV no mundo.
Um painel multidisciplinar composto por 15 membros da Academia de Ciências da África do Sul (ASSAf), organismo independente, passou quase dois anos analisando dois mil estudos sobre o papel da alimentação nas pandemias de HIV e tuberculose (TB).
Apoiando-se na literatura e nos anos de experiência prática neste campo, o painel estabeleceu um consenso quanto ao papel da alimentação e examinou as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Departamento de Saúde da África do Sul e da Sociedade de Médicos de HIV/Sida da África Austral para verificar como as diretrizes correspondiam aos dados científicos.
O relatório concluiu que não há evidência que sustente as alegações de que apenas uma melhor alimentação pode tratar o HIV e a TB, quanto mais controlar estas pandemias. Tais afirmações por parte da ministra levaram muitos sul-africanos a questionar o comprometimento do governo em favor da promoção dos ARVs e sua distribuição nacional.
“Nem a pobreza, nem a má nutrição são a causa do HIV/Sida ou da tuberculose”, disse o professor Este Vorster, diretor da Unidade Africana para a Pesquisa Transdisciplinar sobre Saúde da Universidade Northwest e membro do painel. “Se você fez o teste do HIV e conhece seu estado serológico, você precisa saber que complementos nutricionais não podem substituir uma alimentação sadia; da mesma maneira, uma alimentação sadia não pode substituir os medicamentos antiretrovirais.”
Muitos estudos mostraram melhores resultados para pacientes que, além do tratamento medicamentoso, tinham uma melhor alimentação, disse Jimmy Volmink, pesquisador-clínico da Universidade de Stellenbosch.
No entanto, estudos como esse considerando o papel da alimentação no tratamento do HIV e da TB eram raros, e a maioria tinha sido conduzida em países de alta renda, onde as populações tendem a ter uma melhor alimentação e receber melhor tratamento.
Fica a pergunta de como aplicar estes estudos a países de baixa renda ou em países como a África do Sul, onde a situação sócio-econômica é ainda mais complexa.
“Nós somos talvez um país, mas ainda não somos uma nação”, disse Volmink. “Precisamos ter consciência das disparidades entre os privilegiados e os pobres; precisamos ver o que funciona em situações específicas.”
É difícil regulamentar uma tradição aceita pela maioria da população. |
Além de apontar para a falta de pesquisas sobre a alimentação na África do Sul, o relatório destacou a confusão sobre o papel da alimentação no tratamento do HIV, que tem sido exacerbada por um duplo sistema de regulamentação dos medicamentos, que sujeitava os medicamentos “ocidentais” a controles muito mais rigorosos do que os complementares, tais como fortalecedores do sistema imunológico e complementos nutricionais.
“Se você simplesmente inventa um produto, coloca-o em uma garrafa e o vende por R300, ele nunca será controlado”, notou Wieland Gevers, diretor executivo da ASSAf e membro do painel.
Consequentemente, pessoas seropositivas, familiares, cuidadores e membros da comunidade estavam não somente confusos quanto à eficiência dos medicamentos, da alimentação e de seu papel no tratamento do HIV, mas desconfiados dos médicos e dos tratamentos prescritos, notou o relatório.
Dualidade nas práticas regulatórias
A dualidade nas práticas regulatórias surge do contraste entre a tradição científica ocidental, com sua enorme ênfase em testes rigorosos, e a medicina tradicional e a política relacionada à cultura na África do Sul, disse Gevers.
“Na medicina tradicional, temos uma abordagem diferente: é um tipo de transmissão da sabedoria. De uma certa maneira, trata-se simplesmente da experiência em prática”, disse ele. “Os médicos tradicionais dizem que parte da cura reside na fé do paciente na própria cura, e é muito difícil testar isso num estudo controlado.”
“Além disso, existem as condições especiais das transições históricas”, acrescentou ele. “Ninguém quer ser muito crítico em relação à tradição da maioria da população – cerca de 80 por cento dos sul-africanos consultam primeiro um médico tradicional; é muito difícil regulamentar uma tradição aceita pela maioria da população”, disse Gevers.
Embora o enfoque do relatório não fosse o debate em torno da regulamentação dos medicamentos tradicionais contra a dos “ocidentais”, ele notou a necessidade de uma regulamentação dos medicamentos “tradicionais” ou “alternativos” e de uma educação da população quanto aos usos destes últimos. Segundo Gevers, o Departamento da Saúde e o Conselho de Pesquisa Médica estão trabalhando neste sentido.
O relatório foi divulgado em um momento difícil para Tshabalala-Msimang e seu ministério. A vice-ministra da Saúde, Nozizwe Madlala-Routledge, que tinha sido demitida duas semanas antes, também tinha desavenças com a ministra quanto às questões da alimentação, ARVs e outros assuntos de saúde.
“Gostaria de enfatizar que isso não é parte de nenhuma questão política; o projecto tinha sua própria dinâmica”, disse Gevers, justificando a coincidência entre a data de publicação do estudo e a demissão da vice-ministra. “Identificamos a necessidade de um estudo assim; neste campo controvertido da alimentação, todo mundo se considera especialista, então é preciso estar seguro.”
A OMS, o Departamento de Saúde da África do Sul e a Associação de Médicos de HIV/Sida da África do Sul ainda não se pronunciaram sobre o relatório, mas a ASSAf diz que ainda é cedo para esperar uma resposta.
“O ministério da Saúde provavelmente tem outras prioridades no momento, mas esperamos fazer uma apresentação detalhada deste relatório para ver como podemos ligar nossos trabalhos de pesquisa às intervenções atuais”, concluiu Gevers.
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) PVHS/ONGs, (IRIN) Pesquisa
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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