ÁFRICA DO SUL: Perseguindo circuncisões grosseiras

Photo: Kanya Ndaki/PlusNews  |
Região majoritariamente rural do Cabo Oriental, onde a maioria das circuncisões tradicionais acontecem na África do Sul. |
MTHATA, 13 Agosto 2007 (PlusNews) - Quando o inverno acabar, milhares de jovens sul-africanos terão participado por um mês do tradicional rito de passagem e se tornado homens.
Mas o processo pode ser arriscado. Nos últimos anos o ritual tem recebido críticas devido a complicações graves decorrentes de circuncisões mal feitas por cirurgiões tradicionais, denunciadas pelas autoridades sanitárias.
Na província do Cabo Oriental, 12 iniciados morreram e mais de 20 cirurgiões tradicionais ilegais foram presos no mês passado. Segundo o departamento de saúde local, cerca de 100 jovens foram hospitalizados e 350 resgatados de “escolas de iniciação improvisadas.”
Nos dois últimos meses, funcionários do departamento de saúde passaram a investigar escolas suspeitas para resgatar jovens do risco de infecções, amputações penianas e até morte.
Impacto das pesquisas sobre o HIV
A circuncisão masculina está hoje no centro das atenções: em Março, a Organização Mundial da Saúde e o Onusida lançaram recomendações, endossando a circuncisão masculina como meio de prevenção do HIV, depois que estudos mostraram sua eficácia contra a infecção.
“Todos estão muito entusiasmados... mas será que isso significa que mais iniciados virão [para ser circuncisados]? Ainda é cedo para dizer”, disse Henderson Dweba, diretor dos serviços tradicionais de saúde do departamento de saúde do Cabo Oriental.
O governo da África do Sul ainda deve decidir se inclui serviços de circuncisão em seu plano de prevenção e tratamento do HIV. Teme-se que uma crescente demanda pela circuncisão multiplique o número de charlatões e cirurgiões sem escrúpulos.
Sem pessoal qualificado suficiente... os homens optarão por serviços menos seguros e procurar centros tradicionais alternativos”, advertiu Catherine Hankins, diretora associada do Departamento de Políticas, Evidências e Parcerias da Onusida.
As escolas de iniciação do Cabo Oriental, onde acontece grande parte das circuncisões tradicionais, não são exatamente o que os oficiais da ONU em Montreux, na Suíça, imaginaram quando preconizaram que o serviço fosse “provido em centros de saúde, com equipamento adequado, aconselhamento apropriado e outros serviços.”
O ritual de passagem Xhosa inclui a reclusão de até um mês em uma tenda, com pouco ou nenhum contato com mulheres. A remoção do prepúcio por um cirurgião tradicional é feita sem anestesia: a dor é um fator importante para tornar-se um homem.
“Não é o que se poderia considerar uma circuncisão clínica, mas tradicional. Ela é feita assim desde tempos imemoráveis. Nunca houve uma opinião clínica”, comentou Dweba.
Hankis, conselheira científica da Onusida, notou que as maiores barreiras na adoção da circuncisão como método preventivo são, além dos custos, as preocupações com segurança – motivo pelo qual enfatiza-se a importância do ambiente clínico.
O governo do Cabo Oriental escolheu uma abordagem mais “realista”, defendendo a “aplicação dos padrões de saúde num ambiente tradicional”. Segundo Dweba, “uma abordagem médica é desprezada por muitos aqui; não é algo que podemos considerar.”
Aqui não é o velho oeste. Esses charlatôes não têm nenhuma chance. |
Um sistema que funciona?
Há seis anos, foi introduzida no Cabo Oriental uma legislação exigindo que os cirurgiões tradicionais que praticam a operação tenham permissão de um médico, que deve emitir uma licença para cada escola de circuncisão. A lei estabelece multas de até 10 mil rands (US$ 1.450) ou dez anos de prisão e prevê a inspeção das escolas.
“Aqui não é o 'velho oeste'”, disse Dweba. “Estes charlatões não têm nenhuma chance. Nós regulamentamos a prática da circuncisão, introduzimos um sistema que funciona, existe um orçamento para isso... os iingcibi (cirurgiões tradicionais) estão sendo treinados, e nós temos médicos, enfermeiras registradas, promotores da saúde e profissionais da saúde ambiental.”
“Todos devem seguir o procedimento, ninguém está acima da lei”, insistiu ele.
Obter a autorização, porém, é um processo arrastado: os cirurgiões tradicionais devem fazer um pedido de licença não somente para realizar a operação, mas também para administrar uma escola e dar assistência aos iniciados. Os jovens devem obter consentimento escrito dos pais e uma autorização de um centro de saúde público.
Há três anos, foi a vez de Richard (cujo sobrenome foi omitido), 21 anos, “se tornar um homem”. Seu irmão mais velho o deixou no hospital Thafalofefe, um distrito na vizinhança do vilarejo de Gcina, no distrito rural de Centani.
“Tive que esperar durante horas porque só havia uma pessoa atendendo. Quando um enfermeiro finalmente me atendeu, ele me aconselhou sobre sexo e me deu uma injeção, e eu ainda tive que correr atrás da papelada”, disse este estudante de engenharia.
O enfermeiro do hospital de Thafalofefe, que trabalha com iniciados desde a temporada de verão da circuncisão em Dezembro de 2006, é a primeira escala para iniciados e cirurgiões tradicionais da região. Ele folheia um livro de registros com anotações escritas à mão desde 2004 sobre iniciados, escolas, enfermeiros e cirurgiões tradicionais.
“Quando vêm buscar os papéis, eles também recebem antibióticos e educação sobre a saúde. Eu digo ´Só porque vai se tornar um homem não quer dizer que você está imune contra estas doenças e pode adotar um comportamento de risco. Você deve se cuidar antes de ir para o mato.´”, disse.
Segundo a enfermeira-chefe Ndandane, a temporada de circuncisão de 2006 levou a 32 admissões: 29 jovens tiveram septicemia e outros três eram epiléticos e deficientes mentais que vieram ser circuncisados no hospital.
“As complicações resultam de maus cuidados pós-operatórios”, disse um enfermeiro.
Nos escritórios do departamento de saúde em Bhisho, capital da província, Dweba concordou: “A circuncisão em si não é um problema; o problema são as feridas mal cuidadas, a desidratação... que pode causar a perda do pênis e a morte.”
Segundo Dweba, os cirurgiões e enfermeiros tradicionais nem sempre têm noções de microbiologia. “Eles não sabem nada sobre germes... já ouviram falar que eles existem, mas não conseguem reconhecer o que não vêem.”
Os cirurgiões tradicionais também não usam ataduras, aumentando o risco de infecções, porque preferem o método tradicional de utilizar folhas selvagens. “As folhas selvagens são eficazes, elas fazem o que têm que fazer”, afirmou Dweba.
Segundo Dodoma Mthandekisi, da autoridade tribal do vilarejo de Gcina, os enfermeiros tradicionais, que cuidam dos iniciados após a circuncisão, têm grande parte da responsabilidade.
“Agora eles dão aos jovens iniciados álcool, marijuana e cigarros. Mas os iniciados ainda não estão completamente curados e podem adoecer facilmente. Eles sofrem de desidratação, passam fome... É o descuido que está matando estes jovens”, disse.

Photo: Juda Ngwenya/PlusNews  |
Milhares de meninos como esses entram em escolas de iniciação anualmente para ser circuncidados e se tornar homens. |
Mthandekisi disse que os cirurgiões tradicionais desta região eram mais cuidadosos porque são monitorados por membros da autoridade tribal. “Aqui não há tantas mortes. Agora existe uma lei que estabelece como as coisas devem ser feitas”, comenta. “Nós a aprovamos, desde que estejamos envolvidos.”
As leis existem, os recursos financeiros e funcionários para supervisionar a circuncisão tradicional estão chegando. Mesmo assim, as autoridades do Cabo Oriental relatam anualmente mortes e complicações graves resultantes das circuncisões tradicionais grosseiras.
“Não entendo como não há protestos mais vigorosos, principalmente das mães. As crianças voltam como cadáveres”, notou Denis Mahoney, médico que trabalha na cidade costeira de Port St Johns, perto de Lusikisiki.
Mahoney e os outros médicos em Port St Johns raramente realizam circuncisões. “Eu só fiz seis no ano passado. As pessoas preferem o método tradicional”, disse.
Então o que há de errado? Segundo Sizwe Kupelo, cirurgiões não qualificados e charlatões estão atraindo pessoas que querem evitar a lentidão do procedimento legal. Os jovens estão fugindo de casa para ser circuncisados por cirurgiões ilegais que não exigem autorizações assinadas. Alguns menores de idade e seus pais mentem, dizendo que os jovens já têm 18 anos.
Dweba adverte que seu departamento continuará a perseguir as escolas de iniciação ilegais e “esses açougueiros”. “Vamos mandá-los para a cadeia – não se brinca com a vida de uma criança”, disse.
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Prevenção
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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