MALAUÍ: Antiretrovirais ainda distantes das margens remotas do lago
Photo: Kristy Siegfried/IRIN |
Bela paisagem, mas distante do tratamento |
NKHANTA BAY, 22 Dezembro 2006 (PlusNews) - O desafio do governo malawiano de alcançar o acesso universal aos cuidados da Sida é bem evidente em Usisya, na margem norte do lago Malawi, onde ainda não há tratamento.
Com aproximadamente 17 mil habitantes, Usisya está entre as montanhas e o lago. Não tem eletricidade, telecomunicações e transporte público. Uma estrada precária liga a área à Mzuzu, a cidade mais próxima.
Em Usisya, ninguém tem carro, mas um barco vai à Nkhata Bay na segunda e volta no domingo.
Charles*, de 38 anos, e Alice*, de 30, são irmãos e compartilham dois infortúnios: são seropositivos e vivem numa área remota.
Os dois irmãos embarcam todos os meses à busca de antiretrovirais no Hospital de Nkhata Bay, um dos dois locais do distrito que fornece o tratamento. A viagem de ida e volta custa mil Kwachas malawianos (sete dólares americanos) a cada um, mais o custo de alimentação e alojamento durante seis dias.
Vivendo numa comunidade onde os únicos meios de sustento são a pesca e a agricultura de subsistência, nenhum dos dois tem dinheiro. Dependem da solidariedade de amigos e familiares para pagar a viagem.
Interrupção do tratamento
Eles começaram o tratamento em Janeiro e já o interromperam por dois meses, porque não podiam pagar a viagem
Interrogados se sabiam do risco disso criar resistência aos medicamentos, eles encolhem os ombros.
A seroprevalência de Usisya nunca foi medida, mas uma pesquisa pré-natal de 2005 revelou uma taxa de 24 por cento, mais alta que a médica nacional de 14 por cento.
Ninguém nesta comunidade revelou publicamente a sua seropositividade, o que faz com que as viagens mensais à Nkhata Bay sejam um fardo ainda maior para os mais de 50 habitantes em tratamento.
“Em Usisya nós somos como uma grande família, então alguns sabem o que vou fazer lá,” diz Charles, que com sua irmã e mais 13 pessoas forma um grupo de apoio, que se reúne secretamente, uma vez por mês.
Usisya não é a única comunidade remota de Nkhata Bay. Segundo Victor Matayataya, presidente do Comité Distrital de Coordenação da Sida, 20 por cento dos pacientes que fazem parte do programa de tratamento antiretroviral não comparecem às consultas mensais.
A taxa de não comparecimento em Usisya é ainda maior, diz Obert Nyondo, conselheiro voluntário na clínica de tratamento antiretroviral do Hospital de Nkhata Bay.
O hospital não tem pessoal suficiente para acompanhar todos os que não comparecem.
Nyondo, que perdeu quatro irmãos de doenças relacionadas com a Sida, viajou recentemente por sua conta para Usisya em busca de 17 pacientes que haviam interrompido o tratamento.
Dois deles tinham morrido e outros disseram que não podiam pagar a viagem mensal.
“Fazer com que as pessoas comecem o tratamento antiretroviral é fácil, mas manter a aderência é difícil para os que tem que fazer longas viagens”, diz Austine Mwafulirwa, uma das quatro funcionárias da clínica do hospital.
Mwafulirwa acrecenta que “queremos que o tratamento seja disponível em Usisya e em outras clínicas, mas esperamos que o Departamento Distrital de Saúde libere os fundos.” Segundo Matayataya isso pode ser viável no próximo ano.
Fazem parte da equipa da clínica de Usisya uma enfermeira, uma assistente e oito agentes comunitários – trabalhadores de saúde menos qualificados do país, cujo treinamento dura 10 semanas.
Faltam alternativas
O aconselhamento e testagem voluntários apenas estão disponíveis desde 2005, mas Charles nota que “muitas pessoas acham inútil fazer o teste já que não podem pagar a viagem para Nkhata Bay para buscar o medicamento.”
Além da clínica e de algumas associações comunitárias que recebem pequenas doações da Comissão Nacional para a Sida, outra fonte de informação sobre a pandemia em Usisya é a organização não governamental inglesa Temwa.
Segundo o facilitador Franders Thawi, o programa da Temwa tem impacto. “As pessoas pedem mais preservativos e os serviços de planeamento familiar, aconselhamento e testagem voluntária expandiram,” diz.
O desafio é vencer o tédio, provavelmente um dos maiores condutores da epidemia em Usisya, principalmente entre os jovens.
A agricultura só é viável durante os seis meses que dura a estação das chuvas e a pesca em canoas só é segura quando o lago está calmo.
Existem algumas igrejas, mas nenhum clube juvenil ou locais para desporto. Os jovens passam as tardes quentes consumindo bebidas locais feitas de cana de açúcar.
“O problema é que aconselhamos as pessoas a não adoptarem comportamentos de risco, mas não damos alternativas," diz Thawi.
*Nome real omitido
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Prevenção, (IRIN) Estigma/Direitos Humanos/Leis , (IRIN) Juventude
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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