MALAUÍ: Madonna e as leis de adopção nacionais
Photo: IRIN |
Um milhão de órfãos no Maláui |
LILONGWE, 20 Outubro 2006 (PlusNews) - Segundo uma organização africana para o bem-estar infantil, na sua pressa de adoptar o pequeno David Banda de 13 meses, o facto de Madonna ter infringido as regras está enviando aos traficantes de crianças a mensagem de que o Maláui está pronto a negociar este tráfico.
O Supremo Tribunal da capital administrativa, Lilongwe, concedeu à popstar Madonna, 48 anos, cuja fortuna é calculada em 462 milhões de dólares, uma ordem de adopção interina, em contradição com as leis do país, segundo as quais “uma ordem de adopção não deve ser concedida a uma pessoa não residente no Maláui”.
O bebé foi despachado para a moradia inglesa de Madonna na segunda tentativa, depois duma primeira tentativa de levá-lo para fora do país falhou porque lhe faltava o passaporte.
Pam Wilson, supervisor de adopções da Sociedade para o Bem-Estar Infantil em Joanesburgo, uma organização não-governamental que cuida de crianças necessitadas, disse à PlusNews que existem sistemas internacionais em funcionamento, dos quais Madonna parece ter sido isenta, e que agora os traficantes de crianças sabem que “existem brechas, e é esta a mensagem transmitida”.
Segundo Karen Blackman, da unidade anti-tráfico da Organização Internacional para a Migração (IOM, sigla em inglês), que monitoriza os movimentos de pessoas nas fronteiras, “globalmente, a adopção pode fornecer um meio para os traficantes agirem se as leis não forem respeitadas correctamente”, mas a OIM não tinha provas de que isto estava acontecendo no Maláui.
Wilson diz que o procedimento de adopção do pequeno David parecia ter desrespeitado as normas internacionais, e conta que Madonna, apelidada “Material Girl”, escolheu a criança numa fila e que isso tinha sido “horrível – como fazer compras”, e que “ninguém mais tem este privilégio”, ou deveria ter.
Wilson, que supervisa aproximadamente 150 adopções internacionais por ano segundo a Convenção Hague, acha que “existe a noção de salvar uma criança [do mundo desenvolvido]. Parece ser uma tendência das celebridades, que estão adoptando muito”.
Normas internacionais
A Convenção Hague facilita as adopções internacionais de crianças com menos de 16 anos. Os países assinantes da Convenção asseguram o retorno imediato de crianças transferidas por engano para um estado contractante ou retidas por engano neste estado e asseguram que os direitos de residência concedidos num país são implementados e respeitados no outro. O Maláui não é um país assinante da Convenção.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) disse numa declaração que não tinha informação adequada para comentar a legalidade da adopção, mas que “qualquer adopção internacional deve ser sujeita às mesmas precauções e escrutínios que a adopção doméstica, assim como a algumas protecções adicionais”.
A actriz americana Mia Farrow é conhecida por ter começado a moda da adopção internacional em 1973 e agora é mãe de 14 crianças. A actriz hollywoodiana Angelina Jolie é a mais famosa actualmente, tendo adoptado duas crianças: uma filha, Zahara, da Etiópia, e um filho, Maddox, do Cambodja. Ela teve recentemente o seu próprio filho com seu companheiro, o actor Brad Pitt.
A adopção internacional entre países assinantes de convenções é uma prática bem estabelecida, e o movimento de crianças é quase sempre de países em desenvolvimento para países desenvolvidos, disse Wilson à PlusNews. Em países industrializados menos bebés são disponíveis porque os sistemas de assistência social concedem a adopção a pais e mães solteiros, e a população está envelhecendo.
Revisar a lei
A adopção de Madonna encontra resistência no Comité Consultivo de Direitos Humanos (HRCC, sigla em inglês) no Maláui, coordenador de grupos da sociedade civil. Segundo o presidente do Comité, Justin Dzonzi, “a lei no Maláui não permite a adopção internacional”.
Ele disse que sua organização entraria no tribunal com um recurso contra a adopção, mas para outros especialistas em direito isto seria como chorar sobre o leite derramado.
A rápida adopção de Madonna está levando a pedidos de revisão das leis de adoção num dos países mais pobres do mundo, onde três quartos dos seus 12 milhões de habitantes vivem com menos de 2 dólares por dia, e onde um milhão de crianças são órfãos, principalmente como resultado do HIV/Sida.
Samson Matewere, director executivo do Olho da Criança, um grupo para os direitos da criança, disse que as organizações da sociedade civil iriam fazer pressão com os membros do parlamento “na próxima reunião do parlamento para apressar a emenda da lei sobre a adopção de crianças”.
“A Madonna só recebeu uma ordem temporária para adoptar o bebê durante 18 meses e o governo terá que avaliar a criança. Mas a questão é: será que o governo tem recursos para avaliar situação da criança nos Estados Unidos ou no Reino Unido? E também, as leis de adopção do Maláui não concordam com as leis internacionais de adoção. É preciso revisá-las para que possamos permitir a adopção internacional”, disse ele.
Segundo a lei sobre a adopção, qualquer pessoa que deseja adoptar uma criança deverá morar no país durante pelo menos 18 meses. Madonna estava no Maláui nove dias.
Um porta-voz do partido de oposição Frente de União Democrática, Sam Mpasu, disse que a lei deveria ser revista para permitir a adopção internacional. “Por quê todo este rebuliço? Esta é uma criança cujo pai concordou que Madonna o adoptasse. As pessoas estão com inveja da criança”.
Yohane Banda, pai da criança, cuja esposa faleceu durante o parto, foi citado pelo Britain’s Mail no domingo, dizendo “As pessoas do governo disseram que seria uma coisa boa para o país. Ele vai voltar bem-educado e vai poder-nos ajudar”.
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