NAMÍBIA: Remando contra a maré
WINDHOEK, 6 Novembro 2006 (PlusNews) - A Namíbia tornou-se exemplo dos esforços mundiais para o acesso ao tratamento, por ter sido um dos poucos países que ultrapassaram a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) na campanha de tratar três milhões de pessoas seropositivas até o final de 2005.
Quando a OMS lançou a iniciativa “3 em 5”, pouco se esperava deste pequeno país da África Austral, que lutava para gerir uma das taxas de seroprevalência mais altas do mundo e um sistema de saúde sobrecarregado.
Na Namíbia, o programa de tratamento antiretroviral (ARV) foi lançado em 2003 e rapidamente expandiu.
Em Abril deste ano, todos os hospitais públicos forneciam tratamento ARV. Com cerca de 24 mil seropositivos a receberem ARVs do estado, o país fornece tratamento a 50 por cento dos necessitados. Segundo dados nacionais, 52 mil pessoas precisam de medicamentos anti-Sida.
“A Namíbia tem sucesso na expansão do tratamento ARV...em três anos, atingiu um número impressionante de pessoas, e isso inclui o programa de prevenção da transmissão mãe-filho”, diz ao PlusNews o coordenador nacional do Onusida, Salvator Niyonzima.
Mas é momento de “examinar seriamente a sustentabilidade financeira”, diz ele, uma vez que o financiamento do programa de tratamento é principalmente do Fundo Global para a luta contra o HIV/Sida, TB e Malária e do Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio do HIV/Sida (PEPFAR).
Outra preocupação para os activistas e trabalhadores de saúde é manter todas estas pessoas em tratamento. A percentagem de aderência ao tratamento ainda é alta - 90 por cento - mas num país onde há altos níveis de desemprego e de abuso de álcool, o governo não pode ser complacente, adverte Johan Gamatham, do programa de informação sobre o tratamento da Lironga Eparu, uma associação de pessoas seropositivas.
Problemas
Nos labirintos de corredores do Hospital Katutura, num bairro historicamente negro da capital, Windhoek, fica a moderna Clínica de Doenças Transmissíveis, recentemente renovada.
Esta unidade trata 8.500 adultos e 660 crianças e é considerada, a nível nacional, um “centro de excelência”, segundo o director do departamento de medicina interna do hospital, Dr. Ishmael Katjitae, membro do comité técnico consultivo para a expansão dos ARVs no país.
Entretanto, a clínica ARV não reflecte exactamente o que acontece no resto do país. A maioria dos centros de saúde da Namíbia servem as áreas rurais, não têm pessoal suficiente, nem estão bem equipados, diz o Dr. Angelo Makjarov, que trabalhou em Oshakati, norte do país.
Os pacientes da clínica não se consideram privilegiados. A poucos quilómetros dali, noutra parte de Katutura, um grupo de apoio dirigido pela organização local AIDS Care Trust (Fundação para os cuidados da Sida) junta-se para o encontro das quartas-feiras. A maioria dos membros da organização recebe tratamento no hospital.
O grupo é composto por uma maioria de mulheres, reflexo de que 64 por cento das pessoas em tratamento ARV no país são do sexo feminino. Muitas são desempregadas e vem com os seus filhos.
Martha Aluene, 34 anos, porta-voz do grupo, diz que os temas dominantes são o transporte e a comida. “O hospital é muito longe, temos que andar, não temos escolha, não temos dinheiro para o transporte público e (...) comprar comida”.
A filha de Aluene, de sete anos, também está em tratamento. “Quando você faz este tratamento, precisa sempre de comer, às vezes ela vai a casa dos vizinhos pedir comida”, conta Aluene com um sorriso envergonhado.
A sua filha não sabe que é seropositiva e costumava amolá-la perguntando sempre quando é que parariam de tomar os remédios.
“Eu lhe disse que se pararmos, morremos. Agora ela não me pergunta mais. Eu não sei como contar-lhe. Talvez quando ela tiver nove anos, porque será capaz de entender melhor”, diz Aluene.
Pobreza e longas filas
A pobreza e o abuso de bebidas alcoólicas são problemas comuns neste bairro, diz a Dra Elenice de Klerk, do hospital. “Os nossos conselheiros esforçam-se para registar as razões da interrupção do tratamento e sabemos que essas são das maiores causas”.
Shebeens, ou bares clandestinos, apareceram com grande rapidez desde a adopção de uma legislação nova e mais clemente, em 1998, substituindo as leis severas sobre o álcool da era do apartheid. Pequenas lojas de bebidas foram legalizadas, assim como bebidas caseiras como os populares tombo e ashipembe.
Aletha Kaposambo, auxiliar de tratamento da Lironga Eparu, comenta que por a tombo ser de fácil acesso e barata, já viu muitas pessoas HIV+ “que pararam de tomar os seus medicamentos e começaram a beber muito, porque é a única coisa que podem fazer”.
Qualquer interrupção ao tratamento pode fazer com que o HIV se torne resistente ao medicamento, acelerando o progresso da Sida. “É claro que precisamos examinar com atenção os padrões de resistência e a aderência ao tratamento”, diz Niyonzima, que pede ao governo que reforce a informação sobre o tratamento e trate da insegurança alimentar.
A migração interna também dificulta o acompanhamento dos pacientes. De facto, muitos dos pacientes da Clínica de Sida de Katutura são originários das áreas rurais e foram a Windhoek à procura de emprego. Regularmente vão às suas zonas de origem sem a medicação, diz De Klerk.
A pediatra da Clinica, Dra Angela Mushavi, acha que o maior problema é a falta de pessoal no sector da saúde: “Nós temos que aliviar o congestionamento...não favorece a aderência. Se as pessoas têm que esperar em longas filas para serem atendidas, podem não ter vontade de retornar”.
Apesar destes obstáculos, muito tem sido feito. “Nós atingimos a meta “3 em 5” graças a um esforço conjunto do governo, de parceiros de desenvolvimento e de namibianos seropositivos”, diz o Dr. Makjarov.
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