AFRIQUE: Atenção para as cicatrizes das mulheres de Guiné-Bissau

Photo: IRIN  |
O segredo mais sagrado ao descoberto |
LISBOA, 23 Fevereiro 2007 (PlusNews) - Os problemas referentes a mutilação genital feminina ganharam destaque em Portugal a partir da publicação do livro "Cicatrizes da Mulher” da jornalista Sofia Branco, em junho de 2006, que narra as tradições da excisão feminina em Guiné-Bissau e entre a comunidade guineense em Portugal.
A autora foi convidada para palestras internacionais e para entrevistas em jornais, revistas e TV. Até uma iniciativa parlamentar para proibir a excisão foi apresentada em Portugal.
Entretanto, esta idéia foi descartada, já que a comunidade guineense em Portugal considerou que uma lei específica sobre o fanado, como é conhecida a excisão em Guiné-Bissau, seria discriminação.
Branco também não é a favor de uma lei contra o fanado, pois acredita que por já existir uma lei que proíbe o atentado a integridade física, nenhum juiz dirá que a mutilação genital não se enquadra neste aspecto.
“Mais do que punir, é preciso prevenir”, diz Branco ao PlusNews.
A jornalista defende um registo nos hospitais, na altura do parto. “Este é o procedimento comum noutros países europeus”, lembra.
O registo facilita o acompanhamento médico e psicossocial das mães e a monitoria das filhas, que poderiam ser obrigadas a seguir a tradição.
Um inquérito sobre a excisão em 2003 revelou que este ritual era praticamente desconhecido no meio médico de Portugal. Branco aponta também a ausência de um código de ética médica sobre o assunto.
Grande risco do HIV
Em Guiné-Bissau, os fanados são quase sempre feitos no mato ou em barracas e as facas utilizadas pelas fanatecas (nome dado às mulheres que praticam a excisão), que vão sendo herdadas de gerações, não são esterilizadas nem descartadas, pois “perpetuam o sagrado”, segundo Branco.
Além do risco de infecção durante a excisão, o corte e as cicatrizes podem sangrar durante uma relação sexual, o que aumenta a chance de infecção do HIV.
“Há muitas mulheres em Guiné-Bissau que não se sabem bem por que têm a Sida, e o fanado poderia ser uma explicação”, diz a enfermeira e coordenadora da organização não governamental Sida-Alternag, em Bissau, Catarina Bai.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância estima que três milhões de raparigas em África e no Médio Oriente são sujeitas à mutilação genital todos os anos.
Em 30 dos 54 países africanos pratica-se este ritual, enquanto 16 aprovaram leis contra ele. O Protocolo de Maputo, um documento da União Africana, que condena essa pratica, entrou em vigor em Novembro de 2005.
No ano passado, o governo de Guiné-Bissau ressuscitou um projecto de lei que proíbe o fanado com multas e pena de prisão, elaborado em 2001 pelo Instituto da Mulher e da Criança (IMC), de parceria com organizações de direitos humanos, mas ainda não foi aprovado pelo parlamento.
Segundo Baió, a sensibilização até agora feita não tem produzido grande efeito nas fanatecas de Guiné-Bissau porque elas dependem do fanado para seu ingresso.
“Deveria haver um envolvimento de toda a sociedade, especialmente das mulheres emancipadas que passaram pelo fanado e que o não querem mais", diz.
Sofia Branco crê que esta prática é uma espécie de “identidade de etnias” e será prosseguida por mulheres mais jovens, pois se trata de um “legado sagrado que se quer transmitir”.
É por isso, explica, que muitos pais que hoje vivem em Portugal preferem que a excisão seja feita na Guiné-Bissau, no “chão da etnia a que pertencem, porque é terra sagrada”.
Para Branco, só com educação sistemática estas mulheres, na grande maioria analfabeta, poderão compreender os riscos.
“É necessário pressionar mais os poderes locais... Trata-se de um problema de saúde pública e não de sexualidade”, diz a jornalista.
Ainda este ano, o Programa das Nações Unidas para a Infância em Guiné-Bissau divulgará um estudo desenvolvido em 2006 sobre o fanado, informa a oficial de comunicação desta instituição em Bissau, Yolanda Correia.
Alternativa
Embora não seja aceito pelos mais tradicionais, a organização não governamental Sinin Mira Nassique (Pensem no amanhã para ser, na língua mandinga) propõe um “fanado alternativo” (ritual sem o corte) em Guiné-Bissau.
No fanado alternativo defende-se que se afaste o corte do clitóris pela fanateca e se mantenha a passagem ritual.
Na cerimónia tradicional, as fanadozinhas (meninas a excisar) recebem uma educação sobre comportamento, respeito em relação aos mais velhos, conhecimentos do alfabeto e transmissão de segredos mágicos dos seus grupos étnicos.
O projecto alternativo mantém tudo isto e introduz noções sobre direitos das crianças e regras de higiene, cuidados básicos de saúde e prevenção do HIV e do paludismo - sem mutilação do corpo feminino.
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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