NIGÉRIA: Idosos e jovens carregam o fardo da Sida

Photo: Sarah Simpson/IRIN  |
Casal Tanko: Dez netos por cuidar |
NEW KANU, 11 Setembro 2006 (PlusNews) - Às vezes, quando o debruçado e grisalho Kuzonyawo Tanko pega na sua enxada para ir ao cultivo, desata a chorar a má sorte que a Sida trouxe à sua família.
Kuzonyawo e esposa, Tani, tiveram seis filhos. Quatro morreram –um num acidente de viação e três com a Sida.
Nos primeiros anos da independência da Nigéria, Kuzonyawo, que não sabe ler nem escrever, investiu na educação dos seus filhos. Imaginava que tomariam conta dele.
“Quando eu ainda era forte…esperava que os meus filhos cresceriam e teriam bons empregos como qualquer um. Mas, agora é contrário,” disse Kuzonyawo, cujo nome significa “escuta o meu ponto de vista”, na língua Gbagyi.
Com 130 milhões de habitantes, a Nigéria tem a taxa de prevalência de HIV de 4.4 por cento, o equivalente a aproximadamente 3.8 milhões de infectados. Somente 60 mil recebem tratamento antiretroviral (ARV), segundo o Unicef.
Isto significa que os nigerianos HIV+ estão a morrer jovens, muitas vezes, deixando dependentes.
O Unicef calcula que 1.8 milhões de crianças nigerianas perderam um dos progenitores ou ambos devido à Sida – mais do que noutro país africano. A responsabilidade de cuidar dos órfãos faz com que muitas famílias alargadas esgotem as suas capacidades.
Muitas bocas, pouca comida
Kuzonyawo, angustiado, tenta cuidar dos seus 10 netos órfãos. Agricultor, em toda a sua vida, com mais de 70 anos, já não trabalha como antes. Depende da ajuda da sua mulher, que tem mais de 60 anos.
Na família, Glória Tanko, filha do casal, é a única assalariada. Esta solteira de 45 anos e mãe três filhos cobre grande parte dos custos em alimentação, roupa e escola dos seus sobrinhos órfãos.
Glória, que trabalha numa clínica pré-natal pública, contou que o seu salário mensal de 20 mil nairas, cerca de 150 dólares americanos, não dá para tudo.
“Houve vezes, que fui à escola pedir para deixarem as crianças estudarem até eu receber,” disse.
Os Tanko são uma das milhares de famílias nigerianas em dificuldades por causa da Sida.
Com 10 por cento da população mundial, a África subsaariana tem 60 por cento de pessoas HIV+ ao nível global. Oito em cada das 10 crianças órfãs por causa da Sida são africanas, diz o Unicef.
O governo nigeriano registou uma ligeira baixa na taxa de infecção de HIV, de 5 por cento, em 2004, para 4.4 por cento, em 2005. Mas os trabalhadores da Sida observam as estatísticas com cuidado.
“Eu não acho que estes dados reflectem com precisão a situação no terreno,” disse o oficial do projecto de HIV/Sida do Unicef, baseado em Abuja, Joshua Emmanuel. “Eu acho que estamos só a ver ponta do iceberg”, acrescentou.
As percepções erradas sobre a Sida ainda abundam. Quase um quarto de nigerianos acredita que a Sida pode ser transmitida nos assentos sanitários, segundo estudos do Unicef.
Zona de risco
Kuzonyawo vive em New Karu, arredores de Abuja, a capital federal, e um dos locais mais atingidos pelo HIV no país, conforme os trabalhadores de saúde.
“Aqui, a taxa de HIV está de certeza a aumentar” disse o fundador e director do Pacto de Acção de Adolescentes (AAP, em Inglês), Rufus Adaegbo.
O AAP, que é uma das poucas organizações locais de prevenção de HIV/Sida, faz testagem gratuita em três clínicas pré-natais, em New Karu. Com base nos testes, Adaegbo estima que a seroprevalência, na comunidade, varia de oito a 10 por cento, mais do que o dobro da média nacional.
O AAP é uma ONG pequena. Adaegdo garante maior parte do seu financiamento e coloca o dinheiro das consultorias nas bolsas de estudo para os órfãos ou nos testes voluntários e gratuitos de HIV.
Uma grande parte da população jovem e solteira e alcoolismo potenciam a propagação da Sida.
“Aqui, todas as lojas vendem álcool…em parte (bebe-se) por prazer, mas também como consolação - muitas pessoas, aqui, estão deprimidas,” disse Adaegbo.
Desde que a Nigéria acabou com os regimes militares, em 1999, o governo eleito do Presidente Olusegun Obasanjo estabeleceu o Comité Nacional de Acção sobre a Sida, que pretende aumentar para 50 por cento o acesso à prevenção, cuidado, tratamento e serviços de apoio, até 2009.
Outra meta é acelerar a mudança de comportamento em relação ao HIV/Sida.
Os trabalhadores da Sida como Adaegbo dizem que vai levar mais do que três anos para mudar o comportamento das pessoas. A AAP está a treinar educadores de pares para sensibilizar as crianças antes de se tornarem sexualmente activas.
Mas, em New Karu, um número crescente de crianças, já conhece os efeitos da doença. Um rapaz de 14 anos, que, no ano passado, perdeu os pais por causa da Sida, decidiu tomar uma acção directa.
“Eu quero ser médico, porque os médicos ajudam aqueles que estão doente”, disse o rapaz que tem três irmãos mais novos.
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