ANGOLA: Contar ou não contar – eis a questão

Photo: Abraço  |
Quando o assunto é HIV, ignorar é o pior remédio |
LUANDA, 27 Novembro 2007 (PlusNews) - Maria Antónia* começou a desconfiar das frequentes viagens do marido à África do Sul. Numa destas viagens, o marido chegou a ficar 15 dias sem dar notícias. Ela foi investigar se o esposo estava a traí-la. Descobriu que o marido não ia para a África do Sul atrás de outra mulher, mas atrás de antiretrovirais, porque ele tinha Sida.
A esposa de Miguel André faleceu em 2001. A causa oficial da morte foi febre tifóide. Antes de morrer, ela chegou a contar a sua comadre que tinha Sida, mas não teve coragem de dizer ao marido. A notícia se espalhou e, em pouco tempo, toda gente em Benguela já comentava. André foi o último a saber que a falecida era seropositiva.
Histórias como estas se repetem vezes sem conta em Angola. Medo da reacção do parceiro, do abandono, de ser discriminado, da vergonha. Várias são as razões que levam uma pessoa que vive com o HIV a não contar para o cônjuge ou parceiro.
Muitas pessoas só descobrem o estado serológico do parceiro após sua morte. E muitas delas também descobrem que têm também o HIV. Em muitos casos, fica difícil saber quem transmitiu a quem ou mesmo se o vírus já vinha de relações anteriores.
Angola tem uma seroprevalência média nacional de 2,5 por cento numa população de 16 milhões.
Contar ou não?
Casos como estes trazem à tona a polêmica sobre a ética do profissional de saúde no contacto com os seropositivos. A discussão é acirrada.
Há os que defendem que, em nome da ética da vida, o médico deve fazer a busca activa do cônjuge da pessoa vivendo com o HIV, como antes se fazia para sífilis, com a chamada notificação compulsória.
Já outros são de opinião que o sigilo e a confidencialidade na relação médico-paciente deve ser preservada a todo custo.
Para o secretário-executivo da Rede de Organizações de Serviço da Sida (Anaso), António Coelho, não deve haver notificação obrigatória do cônjuge, mas um trabalho de sensibilização para que a pessoa seropositiva consiga contar ao parceiro.
Ele lembra, no entanto, que a comunicação ao parceiro sexual figura na lei de 2004 sobre HIV e Sida : “...as pessoas infectadas têm o dever de informar às pessoas com quem têm, ou pretenda ter, relações sexuais, sobre seu estado serológico”.
Catarina Saldanha, secretária-executiva da Mwenho, associação de mulheres seropositivas, defende que haja uma comunicação compulsória do cônjuge pelo médico.
É imoral tratar um e deixar outro sob risco de vida. |
Para ela, que é seropositiva, não se trata de quebra de confidencialidade, mas de uma maneira de proteger os parceiros das pessoas que vivem com o HIV, já que “quanto mais se adia a comunicação do problema, mais a contaminação se alastra”.
Esse facto é particularmente verdadeiro quando se considera que a rede de relacionamentos sexuais não se restringe ao cônjuge, mas se estende a parceiros anteriores e relações extra-conjugais.
A activista conta que alguns médicos em Angola já adoptam essa medida, dizendo ao paciente que só continuarão o tratamento se ele for acompanhado do cônjuge na consulta seguinte.
A Rede de Pessoas Vivendo com HIV e Sida defende uma posição intermediária.
“Primeiro, o médico deve esgotar todas as possibilidades de mudar o comportamento do utente. Caso isso não ocorra, o próprio médico deve deixar clara sua posição quanto à infecção dolosa ou por intenção, que é crime condenado por lei”, diz Noé Mateus, secretário-executivo da Rede.
“Mas a confidencialidade pode e deve ser quebrada no momento em que o médico percebe que o comportamento do utente coloca seu cônjuge ou outras pessoas sob risco de ser infectadas”, completa Mateus.
A fita misteriosa
Para Roberto Campos, oficial do Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV e Sida (Onusida), a confidencialidade deve ser mantida de todas as maneiras, sem exceção.
“A pessoa tem que ser soberana para revelar a quem ela quiser o seu estado serológico”, diz. “Somente ela e mais ninguém tem esse direito, sob qualquer hipótese.”
Campos lembra que, como o estigma é muito grande, ao revelar a seropositividade de um paciente, o médico pode colocar a pessoa numa situação de condenação pública.
“Cabe ao profissional de saúde ser competente para dar ao paciente todas as informações necessárias para que ele tome a decisão”, diz.
O director do Hospital Esperança (hospital referência para seropositivos em Luanda), António Feijó, defende que o médico deve incentivar o paciente a contar.
“A notificação do estado serológico ao cônjuge não pode ser feita de forma arbitrária”, diz Feijó. “O técnico de saúde precisa observar o ambiente emocional, sem deixar de mobilizar a pessoa vivendo com HIV a contar para o parceiro e convencê-lo a fazer o teste. É imoral tratar um e deixar o outro sob risco de vida.”
Suzana * casou-se aos 17 anos com seu primeiro namorado. Após 25 anos de casados, o marido faleceu em seus braços. Suzana, entretanto, só soube que ele havia morrido de Sida quando, durante o funeral, ouviu uma fita cassete em que ele confessava ter a doença.
A fita foi dada pelo falecido a um sobrinho, que achou se tratar das orientações acerca da herança, razão pela qual achou apropriado tocá-la durante o funeral.
Com critérios mais claros sobre a confidencialidade ao redor do HIV, a última mensagem do marido de Suzana poderia realmente ter sido uma mensagem de amor, ou mesmo sobre a herança, e não uma dolorosa confissão sobre sua seropositividade.
*Nomes fictícios
(ms/ll/ms)
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Prevenção, (IRIN) PVHS/ONGs, (IRIN) Estigma/Direitos Humanos/Leis
[FIM] |
[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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