ETIÓPIA: Associações funerárias cuidam dos vivos e dos mortos
Photo: IRIN/Anthony Mitchell |
Edirs: ajuda na hora certa |
ADDIS ABABA, 7 Dezembro 2006 (PlusNews) - A ajuda para as famílias etíopes afectadas pela Sida veio de uma fonte inesperada: associações funerárias locais, conhecidas como Edirs.
Uma Edir é uma associação funerária tradicional. Os seus membros contribuem mensalmente e recebem em retorno um dinheiro para as despesas funerárias.
Actualmente, quase todo o etíope é membro de, pelo menos, uma Edir, seja na vizinhança, no trabalho, ou com base na idade ou no sexo.
“Eu costumava odiar as Edirs. Eles tinham dinheiro para ajudar os doentes, mas não faziam nada”, diz Senait Tefra, de 16 anos, sentado ao lado da sua mãe seropositiva, acamada. “Eles estigmatizavam pessoas como a minha mãe e esperavam que elas morressem para oferecer apoio, mas isto agora está mudando e eu fico contente”.
A mãe de Senait, Áster Astatka, parece ter mais do que os seus 48 anos, mas acha que não estaria viva sem a ajuda da sua Edir.
“Eu não podia nem entrar no hospital andando”, diz ela. A Edir ajudou com dinheiro, cuidados ao domicílio e para encontrar tratamento médico, incluindo os medicamentos antiretrovirais, que lhe deram esperança de uma vida mais longa.
Até há pouco tempo, as associações funerárias se focalizavam somente em apoiar o enterro dos membros. Na maior parte da Etiópia ainda é assim.
Da base ao topo
Entretanto, algumas delas, chocadas pelo aumento de casos de Sida entre seus membros, começaram a pensar no que podiam fazer para lidar com este problema.
Os dirigentes acham que as Edirs reformadas poderiam ser vitais no combate ao HIV na Etiópia, onde estima-se que 1.2 milhões de pessoas são seropositivas e que 130 mil morreram de doenças relacionadas com a Sida.
“A Etiópia é uma sociedade que funciona do topo para a base”, diz o Dr. Alula Pankhurst, da Universidade de Addis Ababa, antropólogo social, que estudou a história e papel das Edirs.
“Se partirmos do princípio que algo tão devastador como a Sida deve ser tratado ao nível da base, então a Edir é a única solução”, diz.
Doadores e organizações não governamentais (ONGs) concordam. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Banco Mundial e a Care International, incluíram estas associações nos seus programas de HIV.
“As Edirs estão presentes em todos os lugares, mesmo onde não existem outras instituições. Se fizerem um apelo, a população responderá”, diz Gulelat Amdie, do Programa Conjunto das Nações Unidas para a Sida.
Reformas nas Edirs
Com registos que datam de 1916, acredita-se que a Lukanda Tra, na periferia oeste da capital Addis Ababa, tenha sido a pioneira, e está na vanguarda das reformas.
“A nossa população estava morrendo, as Edirs tinham que arcar com as despesas e nós passávamos o tempo todo em funerais”, lembra Kasahun Feleke, director de uma Edir, observando homens e mulheres perfilados para pagarem.
“A Sida matava velhos e jovens, nós sentimos que devíamos fazer alguma coisa”, afirma.
A Edir mudou os seus estatutos para permitir que os membros retirem um quarto dos seus dois mil Birr (238 dólares americanos), da cobertura do funeral, antes da morte, e que uma taxa suplementar seja cobrada para um serviço social adicional fornecido pela Tesfa, organização que ajuda, principalmente na área do HIV, a 26 Edirs membros.
Além de reuniões mensais de sensibilização, a Tesfa, que significa “esperança” na língua local Amárico, coordena voluntários que prestam cuidados domiciliários e esquemas de geração de rendimento aos pacientes HIV+.
Kasahun, um dos fundadores da associação, diz que eles querem que as Edirs “cuidem dos vivos como dos mortos”.
A Tesfa recebe fundos adicionais da Care International e Help Age International para apoiar 240 pessoas HIV+, e conta com 65 voluntários, que dedicam três dias, por semana, para cuidados domiciliários.
“Os voluntários ajudam em tudo, do aconselhamento à higiene pessoal, compras e primeiros socorros”, diz o director do programa, Arega Gabrehilwot.
“Se as pessoas precisam de serem transferidas, nós fazemos tudo para que recebam um bom tratamento no hospital. Nós damos apoio à família e os treinamos para que possam ajudar os seus parentes”.
Esta atitude proactiva, que envolve uma boa parte da comunidade directamente nos cuidados, ajudou a romper o estigma contra o HIV/Sida na sociedade etíope.
Áster Astatka lembra que quando ficou doente, há sete anos, “a maioria das pessoas da comunidade me olhavam e diziam ‘olhe para ela’, mas agora os meus amigos visitam e compartilham as minhas refeições”.
Actividades de rendimento
A organização encoraja pessoas HIV+ não debilitadas a trabalharem. Deu dinheiro a 150 pessoas para iniciarem um negócio, com horários flexíveis de trabalho.
“Eles vendem injera (alimento essencial com base em cereais) e cerveja local ou fazem trabalhos em metal, qualquer actividade de rendimento”, diz Arega.
Segundo ele, os que tiveram sucesso com o empréstimo de 300 Birr - 38 dólares americanos - agora estão pedindo mais.
Há Edirs modernizadas e confederadas nas cidades, mas são quase inexistentes nas zonas rurais, onde poderiam ser mais úteis. Nos centros urbanos existem escolas, hospitais e fábricas e comunicação social. Em muitas áreas rurais é muito mais difícil transmitir informação sobre os cuidados da saúde e fornecer serviços.
Áster Astatka quer que a sua Edir continue a ser reformada. “Espero que um dia elas possam dar seguros de saúde -será demasiado tarde para mim, mas não para os meus filhos”.
Pankhurst diz que o desenvolvimento das Edirs dependerá da confiança e contribuição dos doadores, ONGs e governo, e da união entre elas.
“Eu acho que elas são capazes e devem fazê-lo”, diz. “A Edir é realmente a única organização que conhece a comunidade e sabe como ajudar de forma sensível”.
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Economia/Negócios, (IRIN) Prevenção
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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