SENEGAL: Fakhmans, as crianças excluídas de Dakar

Photo: Pierre Holtz/IRIN
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Sexualidade precoce, desamparo e risco de HIV |
DAKAR, 21 Julho 2006 (PlusNews) - Nas ruas animadas e poeirentas de Dakar, capital do Senegal, as milhares de crianças de rua esfarrapadas, desamparadas e com uma sexualidade precoce são alvos frágeis do HIV/Sida. São cerca de seis mil, disse Adjiratou Sow Diallo Diouf, autora de um estudo sobre as crianças de rua e o HIV/Sida. “A sexualidade das crianças de rua é precoce”, ela explica. “Vê-se crianças de oito anos, que já tem vários parceiros masculinos e femininos, em geral três ou quatro, mais velhos do que eles”. As 30 crianças de oito à dezessete anos, abrangidas pelo estudo, mostraram uma sexualidade precoce, nem sempre consensual homossexual e heterosexual ao mesmo tempo. As relações sexuais são raramente protegidas e expõe estes menores ao risco de infecções de transmissão sexual (ITS), entre as quais a Sida. Mais de metade têm a sua primeira experiência sexual antes dos 14 anos, geralmente em torno de oito anos. Quase 70 por cento das crianças dizem ter relações sexuais com vários parceiros, geralmente outras crianças. Um terço delas reconheceu que estas relações nem sempre eram consensuais. “Às vezes há relações forçadas, as mais velhas violam as menores”, afirma a Sra Diouf. Ocasionalmente, as crianças se prostituem com jovens mulheres que lavam roupa no bairro popular da Medina, em Dakar. “Algumas mulheres lhes dão trabalho, mas pedem em troca...relações sexuais com elas”, constata a Sra Diouf. Exclusão social As crianças de rua, “Fakhmans” como elas se chamam uns aos outros, do verbo “fakh” que significa “fugir” em wolof, a língua mais falada em Dakar, são extremamente vulneráveis. Andam nos cantos mais escuros do grande mercado Sandaga, no centro da cidade. Deambulam como bêbados, sempre cheirando as suas camisetas embebidas em “guinze”, um diluente industrial. Segundo a Sra Diouf, os “Fakhmans” se drogam sempre: é uma regra para entrar no grupo. Por algumas centenas de francos CFA, mendigados ou roubados, eles podem comprar as suas doses diárias de droga. O sistema senegalês de saúde pública é incapaz de tomar conta deles: por falta de tutores, são excluídos dos serviços de cuidados médicos. A maioria são filhos de casais divorciados; abandonam o domicílio, por causa de violência, ou fogem de maus tratos nas escolas corânicas. O relatório enfatiza que 60 por cento dos “Fackhmans” nunca foi à escola. Ignorância Segundo Diouf, embora quase todas as crianças entrevistadas conheçam a Sida, a metade ignora os modos de transmissão do HIV e 40 por cento não sabe como se proteger. Dois terços das crianças admitiram ter relações sexuais, mas menos de 10 por cento usavam um preservativo. Quanto aos outros, “eles não sabem como utilizá-los”, deplora Diouf. “Os Fakhmans só usam preservativos quando vão ter com as prostitutas que os fornecem”, explica Isabelle de Guillebon, que dirige o Samu Social Sénégal, a única ONG que oferece às crianças de rua assistência social e médica. Vestidas de farrapos sujos e desbotados, as crianças esperam, encolhidas na noite, em pequenos grupos, a passagem da caminhonete do Samu Social que, duas vezes por semana, lhes traz um pouco de comida e cuidados. Entre as crianças com fama de violentas e as equipes do Samu Social criaram-se laços de confiança: no ano passado, enquanto um bando tentava agredir os membros da ONG durante uma ronda, o grupo de crianças veio espontaneamente lhes socorrer.
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Na rua, mas ainda são crianças
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Graças a esta confiança, as crianças agora falam sem tabus de sua sexualidade. Mesmo que “as crianças traumatizadas falem como se tratasse de outra pessoa”, reconhece de Guillebon. “Elas não estão totalmente conscientes do problema...estão o tempo todo drogados”, ela explica. Diouf organizou ateliers nos escritórios do Samu Social para reforçar as noções das crianças sobre as ITS e o HIV. Segundo a legislação senegalesa, só se pode efectuar testes de HIV nessas crianças com o acordo dos pais. Ora, as crianças de rua não têm nem pais nem tutores legais para acompanhá-las aos centros de saúde, uma situação que Diouf julga escandalosa. “É preciso mudar a legislação”, diz de Guillebon, admitindo, ao mesmo tempo, a dificuldade de dar um tratamento que dura uma vida inteira à crianças que são muito móveis, de saúde precária e psicológicamente frágeis”. Para Isabelle de Guillebon, o Samu Social é o único elo entre estas crianças e o mundo adulto. “Apesar da brutalidade do ambiente onde vivem, são ainda crianças”.
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