MOÇAMBIQUE: Retrato fiel das mulheres

Photo: Paola Roletta/PlusNews  |
Mulheres de Moçambique: a jornalista Rosa Langa faz um retrato fiel do feminino em seu país |
MAPUTO, 23 Novembro 2007 (PlusNews) - Estrela Felizarda é uma viúva de 30 anos do distrito de Magaja da Costa, no Norte da província da Zambézia, em Moçambique.
Durante os dez anos de casamento, Felizarda sofreu abusos do marido. Ele não lhe dava dinheiro para manter a casa ou os filhos. Batia nela quando ela reclamava de suas amantes.
Depois da morte do marido, os abusos continuaram, dessa vez por parte da família do falecido. Parentes tentaram violentá-la. Ela foi proibida de visitar a campa do marido. Perdeu sua casa e teve que se mudar com seus filhos para a capital provincial, Quelimane.
Histórias como essa ganham destaque nos 16 Dias de Activismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, que começam em 25 de Novembro.
Para a jornalista moçambicana Rosa Langa, falar sobre a violência contra as mulheres foi por muito tempo um trabalho em período integral.
Em viagens pelo país, Langa colheu depoimentos de mulheres dos mais diferentes contextos e lugares. O resultado foi Moçambique, Mulheres e Vida, um livro que traz retratos, por vezes sofridos, das mulheres moçambicanas.
Violência diária
Muitas das mulheres entrevistas são, como Felizarda, expostas a violência diária, assim como ao HIV.
Afonsina José, também da província da Zambézia, foi obrigada pelos pais a casar com um homem muito mais velho que, quando ficava bêbado, batia nela.
“Durante a entrevista, ela não conseguiu dar mais detalhes. Começou a chorar quando perguntei se o marido fazia mais alguma coisa com ela”, diz Langa.
Mal o marido havia morrido, a família dele foi à sua casa tirar tudo que ela tinha. Sem bens ou formas de se sustentar no interior de Mujeba, teve, como Felizarda, que se mudar para Quelimane com os filhos.
A situação fica ainda pior quando envolve o HIV.
No livro, Rosa S. G., negociante informal, em Mandimba, no Niassa, conta que, quando seu marido morreu, seus familiares obrigaram-na a casar com seu cunhado contra sua vontade.
“Meu marido morreu de Sida e eu sabia que também estava infectada. Eles obrigaram-me a fazer o pringanisso [ritual de purificação, que exige que a viúva tenha relações sexuais com o cunhado], mas consegui ´mafiar´ meu cunhado com a bebida. Dava-lhe bebida até ele cair para o lado”, diz.
A estratégia funcionou até o momento que seu cunhado revelou à família que não tinha tido sexo com Rosa. “Fui corrida da casa. Só um amigo do meu marido me ajudou. Fugi com a minha filha”, relata.
Com atrevimento |
|
Atrevida. É assim que muitos se referem à jornalista e escritora moçambicana Rosa Langa.
Afinal como, senão com atrevimento, alguém perguntaria à primeira-ministra Luísa Diogo se ela havia casado virgem?
O escritor Daniel da Costa a definiu como uma jornalista “na contra mão dos costumes”.
Natural do Chibuto, na província de Gaza, Langa mudou-se para Maputo no final dos anos 80. Ficou grávida aos 20 anos e foi abandonada pelo namorado. Seu pai, ao saber da notícia, também correu com ela.
Langa assumiu a criança sozinha. Hoje com 18 anos, Pedro está para entrar na faculdade.
A jornalista passou por vários empregos até chegar à Rádio Moçambique, em 1996.
A primeira viagem à procura de reportagens do Maputo ao Rovuma aconteceu em 1999 – 50 dias de aventuras. E nunca mais parou. Viajar, conhecer pessoas, recolher histórias, virou uma necessidade quase maniacal.
Para a veterana e popular jornalista de TV Anabela Adrianopoulos, Langa faz do jornalismo uma militância.
“Já não vês o que ela faz aqui: viajar de mochila e machibombo do norte ao sul. Ela tem um espírito de jornalismo que é difícil de encontrar”, elogia.
(pr//ll/ms)
|
|
Hoje ela vive numa aldeia na fronteira com o Malawi, toma antiretrovirais, mas não recebeu a herança a que tem direito. No livro, Rosa é representada com a flor que inspirou seu nome.
Retrato de Moçambique
Além de personagens desconhecidas, o livro também traz celebridades moçambicanas como a campeã olímpica de atletismo Lurdes Mutola, a cantora Zaida Lhongo e Janete Mondlane, viúva do primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique.
“Os retratos de 30 mulheres de diferentes origens, etnias, línguas, religiões e estratos sociais é um retrato deste país, da nossa heterogeneidade, é um quadro de Moçambique”, diz Anabela Adrianopoulos, apresentadora de um popular programa na televisão.
Os depoimentos foram colhidos durante 13 anos como jornalista na Rádio Moçambique. As bobines foram guardadas e quando se deu conta, Langa já tinha material – e incentivo – para unir todas as histórias num livro.
As entrevistas, entretanto, nem sempre foram fáceis.
“Eu queria ir mais a fundo e as mulheres mostravam-se reticentes, por motivos relacionados ao dia-a-dia, ao passado e ao presente”, conta. “Mas sou mulher e talvez tenha sido por aí que consegui penetrar no mundo delas, até então talvez um mundo secreto.”
“São entrevistas que têm a ver com elas, na primeira pessoa, porque meu interesse era perceber como cada uma é, o que faz, como vive e como se conta”, diz a jornalista.
O livro, que teve sua tiragem inicial de mil exemplares esgotada em dois meses, será reeditado e lançado em 8 de Março, quando se comemora o Dia Internacional das Mulheres.
pr/ll/ms
|
Tema(s): (IRIN) Artes/Cultura, (IRIN) Gênero, (IRIN) Média, (IRIN) PVHS/ONGs
[FIM] |
[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
|
|
|
Países |
|
|
|