MOÇAMBIQUE: Diagnóstico e tratamento da TB a partir da comunidade
MAPUTO, 25 Março 2009 (PlusNews) - Toda semana, de segunda a sexta-feira, Isabel Maria Francisco, 41 anos, acorda às 4h30, toma um pequeno mata-bicho, apanha o chapa e vai ao Hospital do Chamanculo, na zona periférica da Cidade de Maputo, para a partir das 6h começar seu trabalho de paciente-perita.
“Eu vejo quem são as pessoas que serão atendidas no sector de Tuberculose e Sida e peço para contar minha história. Só isso”, explica a activista.
Apesar de se mostrar tímida ao PlusNews, ela se transforma quando motiva centenas de outros pacientes nas suas palestras no hospital e nas comunidades sobre a importância da adesão ao tratamento da tuberculose (TB) e da SIDA.
A primeira doença Francisco conseguiu curar após um disciplinado tratamento de oito meses em 2004. A segunda ela controla com os medicamentos antiretrovirais desde o ano passado.
Além de paciente-modelo no Hospital de Chamanculo, ela serve ainda como exemplo de uma estratégia que o Ministério da Saúde está a adoptar para enfrentar a TB em Moçambique: a Directa Observação do Tratamento (DOT) na comunidade.
Assim como Francisco, vários activistas apoiados pelas unidades provinciais e distritais de saúde percorrem as zonas mais remotas do país à procura de pessoas com sintomas da TB, como tosse há mais de três semanas, escarro, falta de ar e dores no peito. Quando encontram, encaminham ao centro de saúde mais próximo ou colhem amostras de expectoração do suspeito de TB e, de bicicleta, levam aos centros de testagem.
“É comum também vermos nos distritos rurais vários doentes de TB sentados à sombra de uma árvore a tomar os remédios juntos, observados por um voluntário”, conta a chefe do Programa Nacional de Controlo da Tuberculose, Paula Samo Gudo.
Além da expansão da Directa Observação do Tratamento da TB na comunidade, a representante do Ministério da Saúde disse ao PlusNews que a outra prioridade nacional é melhorar a capacidade laboratorial do país, já que apenas 252 laboratórios fazem a testagem para essa doença, o que é insuficiente para cobrir toda a extensão de Moçambique.
Com uma população de aproximadamente 20 milhões de habitantes, Moçambique está no 18° lugar entre os 22 países com maior peso da TB no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Ministério da Saúde de Moçambique estima que anualmente sejam diagnosticados em todo o país cerca de 20 mil casos da TB com baciloscopoia positiva, ou seja, aquelas mais transmissíveis.
Entretanto, ainda segundo dados do governo, estes números devem representar apenas metade do total de casos reais no país, já que a outra metade não é diagnosticada.
Além da falta de diagnóstico, a adesão ao tratamento também é um problema. Cerca de 4,5 por cento daqueles que começam a terapia da TB a abandonam. Essa interrupção acontece geralmente devido à complexidade do tratamento, que leva meses e exige que no começo os pacientes vão ao hospital quase todos os dias.
Gudo disse que o Ministério da Saúde está a preparar um estudo sobre o abandono do tratamento, mas adianta que certos factores contribuem para o fenómeno.
Um deles é a alta mortalidade, principalmente daqueles que iniciam o tratamento tardiamente e vivem na zonas mais remotas. Como a morte do paciente nem sempre é notificada, a unidade de saúde regista como desistência. Outra razão é a volta dos trabalhadores moçambicanos às minas na África do Sul. Muitos retornam à terra natal para o tratamento, mas assim que começam a melhorar, cruzam a fronteira novamente. Mitos de que a TB não existe e que são feitiçarias também contam para a desistência da terapia.
Em busca do tratamento perfeito
Com o apoio de activistas em saúde e de outros grupos que actuam directamente na comunidade, como os médicos tradicionais e as organizações religiosas, o Ministério da Saúde já observou uma melhora no diagnóstico da TB em Moçambique.
Os dados epidemiológicos do país mostram que de um modo geral houve um aumento na detecção de casos de TB, de 35.672 casos novos registados em 2006 para 38.044 no ano seguinte.
Mas com o aumento dos diagnósticos surge a preocupação também de garantir a boa adesão ao tratamento, pois seu abandono ou interrupção pode levar a tipos mais resistentes desta doença.
Para o tratamento da TB em Moçambique, utilizam-se quatro medicamentos de primeira linha. Quando pelo menos dois desses medicamentos falham, passa-se para outros de segunda linha.
A partir daí o paciente é considerado portador da tuberculose resistente a multi-droga (MDR-TB). Se houver resistência a dois ou três remédios de segunda linha, o paciente é suspeito de ter tuberculose extremamente resistente às drogas (XDR-TB).
Em Moçambique, estima-se que dos casos novos da TB mais transmissível, a prevalência da MDR-TB seja de 3,4 por cento do total.
Já a XDR-TB ainda não pode ser diagnosticada no país e, quando há uma suspeita, as amostras do paciente são enviadas pelo Ministério da Saúde para serem testadas na África do Sul. Até hoje, apenas um caso foi comprovado deste tipo de TB em Moçambique, em 2006, e a paciente veio a falecer no mesmo ano.
Gbamou George Tonamou, médico da organização Médicos Sem Fronteiras-Suíça, que presta apoio técnico ao Ministério da Saúde no tratamento da TB em Maputo, disse ao PlusNews que geralmente é chamado para dar suporte no atendimento de pacientes com resistência ao tratamento ou com associação ao HIV.
“Estes, na verdade, são os pacientes mais complicados”, comentou. “É preciso estarmos muito atentos, pois como já não reagiram bem ao primeiro tratamento e muitos deles têm SIDA, um descuido pode ser fatal”, acrescentou.
Dados oficiais do Ministério da Saúde apontam que cerca de 60 por cento das pessoas com TB no país têm também o HIV. Por isso, hoje, todas as unidades que fazem o tratamento da TB realizam também o aconselhamento e testagem para o HIV. A seroprevalência nacional em Moçambique é de 16 por cento entre adultos.
O tratamento da TB desde 2006 passou a reunir em um único comprimido quatro tipos diferentes de medicação, o que diminui a quantidade de remédios a serem ingeridos.
Hoje, um tratamento completo da TB leva aproximadamente seis meses e um paciente adulto, por exemplo, faz a ingestão média diária de três comprimidos.
Já que nem todo paciente terá a mesma paciência e vontade da paciente-perita Francisco, resta aos provedores de saúde usar todos os meios possíveis para diagnosticar o máximo de casos de TB e indicar pelo tratamento perfeito, sem pausas e abandono.
lb/ll
|
Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) PVHS/ONGs
[FIM] |
[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
|
|
|
Países |
|
|
|