ANGOLA: TB ameaça funcionários e doentes em Hospital de Luanda

Photo: Siegfried/IRIN  |
Efeito dominó: no Hospital Sanatório de Luanda, nem pacientes nem funcionários escapam da TB |
LUANDA, 16 Agosto 2007 (PlusNews) - Com a reputação de ser o principal hospital em Angola especializado no tratamento de tuberculose, o Hospital Sanatório de Luanda (HSL), na capital Luanda, deveria ser um espaço de alívio e recuperação de pacientes com a doença.
A realidade, no entanto, tem se mostrado longe disso. O hospital é hoje uma perigosa incubadora, desencadeando o efeito dominó num ciclo de infecções de tuberculose (TB) que envolve desde pacientes até funcionários, devido à falta de material de protecção para os profissionais e a infra-estrutura precária do local.
Um levantamento para identificar a incidência de TB realizado entre 119 dos 400 funcionários da instituição, mostrou que 70 por cento deles estavam infectados pelo bacilo de Koch, transmissor da doença. Desses, um em cada três desenvolveram TB.
“Temos funcionários infectados e doentes”, disse Afonso Wete, director clínico do HSL.
O grupo analisado também se submeteu voluntariamente ao teste do HIV. “É claro que houve alguns casos de HIV, que estão a ser seguidos e medicados”, explicou Wete.
Depois da malária e do HIV/SIDA, a tuberculose é a terceira doença mais grave no continente africano, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Condições precárias
Vinte e sete anos de guerra civil levaram a uma deterioração massiva dos serviços e infra-estrutura angolanos. Porém, desde o final do conflito em 2002, Angola experimenta um rápido crescimento, principalmente devido ao sector petrolífero, que responde por 90 por cento de suas exportações.
Segundo o Fundo Monetário Internacional, a economia angolana está em plena recuperação. O crescimento do Produto Interno Bruto no ano passado foi de 15 por cento e esperam-se índices acima dos 13 por cento entre 2007 e 2010.
Dou banho, dou de comer, trato da roupa dos doentes, sem máscara nem luvas para me proteger. |
Mas apesar registar índices invejáveis de crescimento – Angola é um dos países que mais cresce no continente africano –, o país ainda vê muitos de seus serviços deteriorados.
As condições precárias do Hospital Sanatório de Luanda, construído entre 1964 e 1967, são a principal causa das infecções de TB em cadeia, disse Wete ao PlusNews.
“Ele [o hospital] precisa de apoios para recuperação da estrutura física, que está deteriorada e sem sustento”, disse Wete.
Com quase 50 anos, o hospital nunca foi reformado. Paredes e teto desabando, chão partido e mosquitos são parte do cenário. Os 260 leitos disponíveis não conseguem suprir a demanda para internações.
Segundo Wete, o sistema de esgoto e o conceito de saneamento básico praticamente não existem. As casas de banho do andar de cima não têm água, o que obriga as pessoas a usá-la no andar de baixo, criando uma circulação intensa nas dependências do hospital.
Com isso há promiscuidade entre doentes e trabalhadores”, contou. “Até os que trabalham na administração estão afectados porque estão em contacto permanente com os pacientes.”
A fraca biossegurança - carência de batas, máscaras, luvas e outros materiais descartáveis - é um factor agravante. Estudos recentes apontam que de 16 por cento das infecções hospitalares em Angola são causadas por questões de biossegurança.

Photo: Muhammad al-Jabri/IRIN  |
Máscaras, luvas e outros materiais de segurança são essenciais para conter a tuberculose no HSL |
Ana Joana, vigilante do HSL há 18 anos, é uma das funcionárias com TB. Ela cuida da higiene dos pacientes, principalmente dos mais debilitados.
“Dou banho, dou de comer quando não podem, trato da roupa. E faço tudo isso sem máscara nem luvas para me proteger”, disse.
A família da vigilante foi submetida ao teste de TB e constatou-se que um de seus quatro netos está com a doença – segundo Joana, transmitida por ela mesma. “Estamos infectados de tuberculose e o contágio foi mesmo aqui”, contou.
Segundo Wete, a situação é alarmante. “Se não forem tomadas medidas urgentes, corremos o risco de trabalhadores e acompanhantes apanharem a doença”, alertou.
TB e HIV de mãos dadas
O HSL recebe 25 novos casos de TB por dia, dos quais 10 são internados em estado grave. Desses, um em cada três acaba morrendo.
As taxas de co-infecção de TB com HIV chegam a 29 por cento entre os pacientes internados e 17 por cento daqueles em ambulatório. A TB é uma das primeiras e mais letais doenças oportunistas que atingem pacientes seropositivos.
O triste fim de um símbolo |
A tuberculose foi a responsável, em final de Julho, pela morte da activista Maria de Brito Gioveti, primeira mulher a assumir publicamente ser seropositiva em Angola.
Soraya, como era conhecida, contraiu o HIV em meados de 2000, e desde então se tornou activista com a Rede de Organizações de Serviço da Sida em Angola (Anaso), apoiando outros seropositivos, mobilizando figuras públicas, trabalhando com comunidades e, principalmente, emprestando seu rosto à causa.
Em tratamento antiretroviral, Soraya passou a desenvolver resistência aos medicamentos de primeira linha. Mas debilitada, sem boa alimentação e sem medicamentos de segunda linha disponíveis em Angola, acabou sendo vítima de TB, doença comum entre seropositivos.
António Coelho, secretário executivo da Anaso, acredita que o caso de Soraya representa milhares de outros no país. “A maioria das pessoas que tem o vírus em Angola tem pouco acesso a drogas e boa alimentação. O rosto da Sida tem sinais de pobreza”, disse.
“Para nós, o feito dela é importante, principalmente pela forma como ela assumiu positivamente a doença e a forma com que ela se relacionou com o vírus. Ela lutou até as últimas consequências”, disse Coelho. “Para nós, Soraya é um símbolo.”
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“Os doentes com TB não são diagnosticados a tempo”, explicou Wete. “Como a cultura aqui é muito baixa, as pessoas não vão ao hospital; ficam nas igrejas, vão aos curandeiros. Quando chegam ao hospital já estão num estágio avançado da doença, por isso a mortalidade é altíssima.”
Com uma população aproximada de 16 milhões, Angola apresenta uma seroprevalência nacional de cerca de 2.5 por cento, que pode variar, dependendo da região, de 1.8 por cento a dez por cento.
Roberto Brant Campos, conselheiro de parcerias e mobilização social do Onusida, aponta que há poucos dados sobre co-infecção de HIV e TB em Angola.
O que se sabe, segundo ele, é que a discriminação na sociedade angolana dificulta que as pessoas venham à frente para fazer o teste de TB. “Não existe a cultura de que as pessoas seropositivas que estão tossindo façam os exames para tuberculose”, disse.
Outro obstáculo é a ausência de acções conjuntas. “Existem também poucas acções comuns entre TB e HIV”, frisou.
Já existem, no entanto, sinais que apontam para essa direcção.
Nando Campanella, oficial do programa de HIV/Sida da OMS em Angola, destacou que a sua organização fez recentemente uma mediação entre os programas nacionais de TB e HIV, que pode ter sido o pontapé inicial para iniciativas conjuntas.
“Ainda há muito trabalho à nossa espera, mas essa aproximação vai ser uma prioridade na agenda”, disse.
vf/ll/ms
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Tema(s): (IRIN) Cuidados/Tratamento, (IRIN) Prevenção, (IRIN) PVHS/ONGs
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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