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A contabilidade das conquistas
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Abril 2008 (PlusNews) |
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CABINDA, Elias Lengo
Nasci em Cabinda e formei-me técnico de contabilidade. Em 1980, aos 25 anos, comecei a trabalhar como contabilista no Hospital Central de Cabinda.
Daí a dois anos, em 1982, eu me casei. Fiquei casado durante quinze anos e minha mulher e eu tivemos oito filhos. Em 1997, minha esposa faleceu de tuberculose óssea.
Viúvo, comecei a viver maritalmente com uma mulher. Tivemos mais dois filhos.
Dos meus 10 filhos, a mais velha tem 23 anos e a mais nova, cinco. Seis deles moram comigo.
De 2000 a 2002, comecei a ficar doente frequentemente. Tinha tuberculose, manchas pelo corpo, diarréias. Ia ao médico, mas os exames não acusavam nada. Em 2002, fui a Ponta Negra, no Congo, e fiz todo tipo de exame, inclusive o de HIV.
O resultado foi positivo. Meu corpo estava muito enfraquecido, meu CD4 era de apenas 174. Comecei o tratamento antiretroviral assim que voltei a Cabinda.
Na época, os antiretrovirais eram muito caros. Um frasco de remédio custava quase US$ 50, então eu só comprava a medicação quando tinha dinheiro. Por isso, continuei doente. Em dois anos, fui internado mais de vinte vezes. Tinha uma anemia grave e recebi 16 transfusões de sangue. Nesse período, fui afastado do trabalho no hospital.
Em 2003, fiquei internado quase um ano. Cheguei a ficar em coma. Durante esse tempo, vi dezenas de pessoas morrerem ao meu lado, tanto por falta de medicação quanto por falta de atendimento.
Como eu era funcionário e conhecido no hospital, recebia assistência da equipa médica. Mas, em geral, os enfermeiros tinham medo de se contaminar e não tratavam dos pacientes seropositivos. Nem da família estes pacientes tinham apoio: como achavam que os pacientes estavam condenados, os parentes davam as costas e as pessoas morriam sozinhas.
Isso quase aconteceu comigo. Minha esposa fez o teste em 2003 e descobriu que também tinha o HIV. Ela ficou desesperada e foi embora. Mas depois de dois meses, graças a um trabalho de aconselhamento, ela voltou para casa.
Na época minha esposa não precisava de tratamento, mas há três meses ela começou a tomar os antiretrovirais porque a contagem de CD4 dela caiu para 295.
Em 2004, fiz um relatório sobre o atendimento que recebi no hospital durante o tempo que fiquei internado. Minha conclusão foi de que fui bem atendido. Meu médico, Dr. Alberto Macosso, levou o documento para Luanda.
Não sei se esse relatório teve alguma participação nisso, mas o facto é que, no mesmo ano, os antiretrovirais chegaram a Cabinda.
Em 2006, a Televisão Pública de Angola fez uma reportagem no Hospital de Cabinda e dei uma entrevista. Por isso, agora toda gente sabe que sou seropositivo: no serviço, na minha família. Tenho 52 anos e ainda sou funcionário no Hospital de Cabinda.
Trabalho também como activista e já fui convidado pela companhia petrolífera Chevron para fazer uma palestra. Depois de muito sofrimento, vejo que a situação de discriminação está a melhorar: trabalho, estou junto com meus filhos, a família aparece em casa e os amigos voltaram. Quase que as pessoas não acreditam que eu estou nessa situação.
Hoje também acho que somos melhor atendidos no hospital e nos Centros de Aconselhamento e Testagem Voluntária. Temos apoio psicológico com pessoas mais experientes, o que ajuda muito, e temos mais acesso a medicamentos.
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[FIM]
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[Os depoimentos acima foram obtidos pela IRIN, um serviço de notícias humanitárias, mas não necessariamente refletem a opinião das Nações Unidas.]
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