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Carolina Pinto
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Julho 2006 (PlusNews) |
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LUANDA, Decidi ser mãe mesmo sendo seropositiva
Três anos depois de descobrir que sou HIV+, começou o meu sonho de ser mãe. Várias noites, chorei. Queria morrer. A vida não fazia mais sentido. Achava que a morte seria a solução de todos os meus problemas.
Porém, ao mesmo tempo, sentia que mesmo vivendo com o HIV, ainda tinha muita coisa por fazer, como ser humano e, principalmente, como activista, tanto por mim como pelos outros.
Apesar de ter os meus pais, minha enorme família e meus poucos amigos, faltava-me algo: um filho. Precisava de um motivo muito forte para continuar a vida, mesmo com o meu companheiro indesejável, o vírus.
Falei com o meu médico. Ele disse para esperar até que os resultados dos exames de carga viral fossem melhores. Ainda mais importante, ele disse que precisava de ter uma relação estável e rever o conceito de família.
Não basta o desejo
Pensei muito nisso. Eu tinha um namorado. Fazia perguntas e respondia sozinha - será que ele há-de ser o meu futuro marido? Ainda não nós conhecemos o suficiente, apesar do nosso sonho de casar e formar uma família. Afinal, não foi com ele que eu formei a família que tanto queria.
Eu dizia sempre que primeiro tenho de criar o mínimo de condições. Só assim terei o meu filho.
Não cheguei ao mínimo desejado, mas o desejo de ter um filho falou mais alto, porque eu precisava e preciso de um motivo grande para viver a "vhida", mesmo com VIH ou HIV. "Vhida" é uma palavra que criei a partir do meu convívio com o vírus.
Devemos pensar antes de termos um filho...se para além do desejo de tê-lo, temos o mínimo de condições financeiras, se esta criança terá um pai que a deseja também.
Eu conheço tantas jovens HIV+ com um desejo tão grande de ter filho, mas que não têm emprego, nem parceiro, nem casa, não têm condições nenhumas para ter esse filho. Pergunto a elas como e com que vais engravidar? Usas o preservativo nas relações sexuais ou não? Dizes ao teu parceiro a tua condição de HIV+?
Engravidar é fácil. Carregar o filho durante nove meses no ventre não é tão fácil, se não tens paz e apoio por parte do parceiro, da família, do médico. E um dia o filho há-de saber que a mãe é HIV+.
Uma boa parte das pessoas - família, técnicos de saúde - não concorda que uma pessoa HIV+ tenha filhos. São situações...uma mais complicada que a outra.
Decidi arriscar
Finalmente, em 2001, comecei uma relação séria. Pouco tempo depois passamos a viver juntos. O meu marido é seronegativo.
Falamos várias vezes em ter um filho. Ele dizia o mesmo que o médico.
Eu não aguentava mais. Chorava muito. Queria ter um bebé.
Um ano depois, fiquei grávida. Suspendi os antiretrovirais sem consultar o médico. Foi uma atitude irresponsável.
Quando finalmente contei ao meu médico, ele ficou surpreendido. Sorriu e depois preocupou-se, porque eu estava a tomar o antiretroviral efavirenz, que pode causar problemas graves ao bebé.
O doutor foi pedindo opinião aos seus colegas dentro e fora de Angola. A maioria era de opinião que tinha que interromper a gravidez.
Mas o meu médico partilhava a minha esperança. Recomendou um ginecologista especializado em gravidez de alto risco. Só o encontramos três semanas depois. Foram três semanas angustiantes.
O ginecologista quis saber quanto tempo tinha de gravidez e eu não sabia dizer exactamente. Pediu que eu e o meu marido fossemos a uma clínica para fazer uma ecografia.
O meu marido pensava que devíamos interromper, porque não queria um filho com problemas. Acreditava que o meu sofrimento seria ainda maior.
Na clínica, o ginecologista deu-nos um livro que contava experiências feitas com efavirenz em ratos e seres humanos. A maior parte dos ratos havia nascido com defeitos. Contudo, nos estudos feitos com humanos, somente um bebé nascera com problemas.
Feita a ecografia, o médico perguntou se queríamos arriscar. O meu marido era pessimista. Mas para mim, depois de ver e ouvir o coraçãozinho do bebé a bater, a vontade só aumentou. Eu queria arriscar! Com fé de que tudo havia de correr bem, disse que queria ter o meu filho.
O meu marido olhou muito sério para mim. Depois de ver a minha alegria, não disse mais nada.
A barriga a crescer
Nesse mesmo dia, o médico receitou medicamentos para náuseas e vómitos, que tomei até o fim da gravidez. De contrário, não suportaria todo o mal-estar. Gastava, de 10 em 10 dias, 10 dólares americanos, e tomava três comprimidos por dia. Não foi fácil para o meu corpo, espírito e bolso.
O ginecologista acompanhou a gravidez até o parto. Sempre fui às consultas nas datas marcadas. Porém, se acontecesse algo de anormal fora destas datas, marcava uma nova consulta.
A barriga crescia. É uma sensação maravilhosa quando o bebé mexe. Todos queriam pegar na minha barriga: as minhas enteadas, meu marido, minhas irmãzinhas. Foi algo inesquecível.
Eu tinha fé, mas também rezei para que não acontecesse alguma coisa com o bebé, por causa do efavirenz. Dizia-lhe que tudo iria correr bem, que ele é a minha razão de viver e que será um grande activista da luta contra a Sida.
Nos últimos meses, começamos o tratamento do corte da transmissão vertical. Eu comprava os antiretrovirais na farmácia e fazia consultas num hospital público.
Por volta da 37ª semana de gravidez, programamos a data para a cesariana.
Internei-me no dia 25 de Fevereiro na maternidade central Lucrécia Paim, em Luanda. O meu ginecologista, sempre atento, participou do bloco de médicos.
Assim foi que, no dia 26 de Fevereiro de 2004, de parto cesariana, no período da manhã, lindo e aparentemente muito saudável, nasceu Lino, o meu tesouro.
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[FIM]
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[Os depoimentos acima foram obtidos pela IRIN, um serviço de notícias humanitárias, mas não necessariamente refletem a opinião das Nações Unidas.]
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