CABO VERDE: Obras em andamento
PRAIA, 19 Novembro 2007 (PlusNews) - Há quem desvie o olhar. Há quem dê uma risadinha nervosa. Há quem não consiga tirar os olhos ou tente disfarçar a timidez.
As reacções nunca são as mesmas, mas ninguém fica indiferente quando Daniel Delgado tira o pénis de madeira de dentro de sua pochete preta para mostrar, com uma desenvoltura invejável, como utilizar o preservativo de forma correcta.
Em meio a britadeiras e caminhões, Delgado fala como se fosse um velho amigo sobre sexo seguro, preservativos e HIV para uma audiência de homens suados, com uniformes sujos do trabalho no canteiro de obras.
Eles são trabalhadores da empresa portuguesa Monte Adriano, que está a construir cinco estradas que levarão ao interior da ilha de Santiago, uma das dez ilhas do arquipélago de Cabo Verde, na costa do Senegal.
“Não, não se pega o vírus indo ao barbeiro”, explica Delgado. “Mas pode-se pegar o vírus fazendo sexo sem preservativo. Por isso, tenham sempre camisinhas com vocês.”
Delgado, 42 anos, trabalhava como pintor em obras em Portugal quando foi diagnosticado seropositivo em 2000. Com 36 quilos na época, começou o tratamento antiretroviral (ARV) imediatamente.
Em 2004, Delgado decidiu voltar a Cabo Verde para trabalhar como activista. Na mala, levou o equivalente a três meses de ARVs, já que sua terra natal ainda não dispunha do medicamento.
Quatro dias depois de ter tomado o último comprimido, o activista foi chamado pela directora geral de saúde do Ministério da Saúde, Jaqueline Pereira: os ARVs tinham acabado de chegar a Cabo Verde e Delgado foi o primeiro seropositivo no país a recebê-los.
Quebra-cabeça
A ligação entre o pénis de madeira usado por Delgado nos canteiros e as salas de reuniões de ministros, construtoras e doadores pode não ser óbvia, mas é real e estratégica para o desenvolvimento de Cabo Verde.
Afinal, faz sentido económico que as empresas protejam sua força de trabalho. Faz sentido social proteger as comunidades perto das construções.
E faz sentido em termos de políticas tentar manter a seroprevalência de Cabo Verde no actual e baixíssimo 0,8 por cento numa população de cerca de 500 mil.
Delgado é uma das peças desse quebra-cabeça. Ele é activista contratado da Morabi, organização não-governamental contratada, por sua vez, pela Monte Adriano.
A parceria Morabi-Monte Adriano tem o apoio do Millenium Challenge Account, financiadora das obras, que é um programa do governo norte-americano de auxílio a países em desenvolvimento que tenham demonstrado boa governança.
A Monte Adriano emprega 250 trabalhadores na construção das cinco estradas, no valor de US$ 14,6 milhões.
“Com a mobilidade dos operários e o contacto com as comunidades, é preciso evitar o alastramento da epidemia”, explicou Fátima Alves, coordenadora de projectos na Morabi.
Obras na terra
As campanhas de prevenção são especialmente importantes para operários em construções, que passam longos períodos longe de suas famílias. Com dinheiro e tempo de sobra, sexo – muitas vezes desprotegido – se torna uma alternativa atraente.
Para segurar o vírus a camisinha não precisa ter cheiro bom. |
A Morabi mantém uma equipa de quatro pessoas no projecto, iniciado em Outubro de 2006, com duração de três anos.
Contratado há nove meses, Delgado está no campo todo dia.
Durante a semana ele faz campanhas nas comunidades, com distribuição de panfletos e preservativos, e conduz palestras sobre testagem.
Às sextas-feiras, visita o estaleiro principal da construtora no conselho de Santa Cruz, a cerca de 35 quilómetros da capital Praia, e as obras no conselho de Santa Catarina, que dista cerca de 50 quilómetros da capital.
O trabalho constante tem superado as expectativas da Morabi.
Uma avaliação entre Novembro de 2006 e Julho desse ano mostrou que quase 4 mil pessoas receberam informações sobre Sida e 15 mil preservativos foram distribuídos.
Nesse período, 98 pessoas foram testadas para HIV, entre funcionários e comunidades. Apenas um teste voltou positivo – o de um trabalhador guineense, que já está a receber aconselhamento e tratamento.
“É uma luta de todos. Já vemos mudanças de comportamento, muitos começaram a usar preservativos”, afirma Paulo Tavares, coordenador das campanhas na construtora.
Mas apesar dos bons resultados, Delgado ainda encontra resistência em seu trabalho.
“Só uso camisinhas importadas. As mulheres gostam daquelas que têm cheiro bom”, diz um dos operários, em tom zombeteiro, ao recusar os preservativos nacionais.
Delgado chega a insistir, mas desiste. Devolve as camisinhas à caixa e suspira, enquanto se dirige à saída: “Para segurar o vírus não precisa ter cheiro bom”.
Nas costas de sua camiseta lia-se em crioulo: “Minis!!! Ignora ê ka ramedi”, que significa “Pessoal, ignorar não é remédio.”
Obras na água
Na mesma linha, a Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV) está a trabalhar com as comunidades nas proximidades das obras da bacia hidrográfica de Picos e Engenhos, duas localidades no interior da ilha de Santiago.
A OMCV foi escolhida pelo Ministério da Agricultura de Cabo Verde para desenvolver programas de prevenção ao HIV num projecto de construção de diques, plantação de árvores e outras infra-estruturas na bacia.
Parte das obras, no valor total de US$ 22,5 milhões, incluindo o programa de prevenção, é financiada pelo Banco Africano de Desenvolvimento.
Na OMCV a ênfase é na formação de líderes comunitários.
Assim, numa tarde de sexta-feira de Outubro, 32 representantes de 25 associações de base – mais da metade proveniente do interior da ilha de Santiago – participaram da primeira formação sobre HIV e Sida promovida pela OMCV em Santa Catarina
“Quando se forma alguém da comunidade o impacto é muito grande”, disse Vicenta Cabral Fernandes, delegada da OMCV em Santa Catarina. “O líder é eleito pela comunidade. Assim, quando ele passa a mensagem, ajuda a mudança de comportamento.”
O projecto começou em Agosto e tem duração de um ano.
Celestino Cabral, 35 anos, é representante de uma associação comunitária em Engenhos e participou da primeira formação.
“Quero levar o que aprendi aqui para a comunidade, para mostrar o estrago que a Sida pode causar à sociedade”, afirmou. “Muita gente negligencia a informação porque não conhece os riscos.”
(ll/ms)
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Tema(s): (IRIN) Economia/Negócios, (IRIN) Prevenção, (IRIN) PVHS/ONGs
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[Este boletim não reflecte necessariamente as opiniões das Nações Unidas] |
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