GUINÉ-BISSAU: Alunas em férias, fanatecas ao trabalho
BISSAU, 10 Agosto 2007 (PlusNews) - As férias escolares, que vão de Julho a Setembro, são a alta estação do fanado em Guiné-Bissau, prática também conhecida como mutilação genital feminina. É nessa época que pais guineenses enviam as filhas para ser iniciadas pelas fanatecas, como são conhecidas as mulheres que realizam o procedimento.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que desde o ano passado um estudo sobre o fanado em Guiné-Bissau conduz, estima que 2 mil raparigas são fanadas anualmente no país.
A organização não-governamental Sinim Mira Nassiquê, que significa Nós Pensamos no Futuro na língua mandinga, convocou na primeira semana de Agosto na capital, Bissau, um encontro com fanatecas e activistas para reflexão sobre os perigos do fanado sobre a saúde feminina, incluindo o risco de contrair HIV através da utilização da mesma faca entre várias meninas.
As explicações de algumas fanatecas que defendem o fanado têm um fundo económico.
“Dizem-nos para abandonarmos a prática. Estamos de acordo a fazê-lo, mas o que é que vamos receber como contrapartida? Esta é a nossa profissão, nós vivemos deste trabalho”, protestou Nhima Corobó, uma das mais antigas fanatecas em actividade em Bissau, com mais de 40 anos de prática.
Maria Domingas Gomes, presidente da ONG, reconhece a dificuldade de dissuadir as fanatecas.
“É difícil convencer estas pessoas a abandonar esta prática secular em Guiné-Bissau, mas através da sensibilização esperamos conseguir reduzi-la ao mínimo”, disse. “Nosso objectivo é mostrar às fanatecas que o fanado é prejudicial à saúde da mulher e pode levá-la a contrair várias doenças, como a Sida.”
Entre 2000 e 2004 a Sinim Mira Nassiquê ensaiou no país uma experiência do fanado alternativo, em que as raparigas eram levadas para conhecer a tradição e passar por ritos de iniciação sem se submeter à prática.
Entretanto, devido à forte pressão de fanatecas e alguns líderes, o fanado alternativo voltou a perder terreno para o tradicional.
Dizem-nos para abandonarmos esta prática. O que é que vamos receber como contrapartida? Nós vivemos deste trabalho. |
Várias das 30 etnias que habitam Guiné-Bissau praticam o fanado, especialmente nas regiões de Gabu e Bafatá, no leste. Entre elas incluem-se todas as etnias islamizadas, que constituem 46 por cento da população, como os fulas, mandingas, beafadas, saracolés, cassangas e mansoncas.
Entre os fulas, que representam 23 por cento da população, o procedimento consiste na excisão do clítoris e os lábios da vagina. Os beafadas e os mandingas se limitam à excisão clitoriana. Já os bijagós, animistas, fazem uma iniciação ritual, com tatuagens, mas sem cortes.
Uma lei que não avança
O encontro em Bissau aconteceu na mesma semana em que especialistas do mundo inteiro, incluindo agências das Nações Unidas, organizações religiosas, ONGs e instituições de pesquisa, se encontraram em Addis Ababa, na Etiópia, para discutir formas de se erradicar a prática.
O Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e o Unicef anunciaram essa semana o lançamento de um programa para reduzir a mutilação genital feminina em 40 por cento até 2015 e para acabar com a prática, em uma geração, em 16 países africanos com alta prevalência do fanado.
A iniciativa, orçada em US$ 44 milhões, será realizada em parceria com governos locais, líderes religiosos, profissionais de saúde, média e sociedade civil.
Segundo a OMS, entre 100 e 140 milhões de mulheres e raparigas em 28 países africanos e em comunidades de imigrantes africanos na Europa, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos já foram submetidas a algum tipo de mutilação genital feminina.
Dos 54 países africanos, em 30 há comunidades que praticam esse ritual e 16 já aprovaram leis contra o fanado. Guiné Bissau, entretanto, ainda não dispõe de uma legislação que proíbe a prática.
No ano passado, o governo guineense ressuscitou um projecto de lei que proíbe o fanado com multas e pena de prisão, elaborado em 2001 pelo Instituto da Mulher e da Criança, em parceria com organizações de direitos humanos, mas ainda não foi aprovado pelo parlamento.
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