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Segunda-feira 29 Janeiro 2007
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Céu Marques ANGOLA

O meu marido sabia que era seropositivo e não me disse nada...


Lilas Orlov/PlusNews
Mãe....

Caiu-me o céu quando a médica disse-me: "Céu, o teu teste é positivo". Era Dezembro do ano passado. Dois meses de broncopneumonia deixaram-me pesando 27 quilos e pedi no centro médico da Rádio Nacional de Angola, onde trabalho como jornalista, para fazer o teste de HIV.

O pior estava a vir. Levei as minhas quatro filhas a fazer o teste. A caçula, de nove anos, é seropositiva.

Chamei o seu pai, do qual estou separada há vários anos, e que trabalha noutra província. As minhas outras filhas são de outro relacionamento. Demorou a chegar, mas apareceu. Conversamos. Convidei-lhe a fazer o teste. Ele apenas respondeu: "Agora que você sabe, é só fazer o tratamento". Contou que já faz tratamento, há alguns anos, na África do Sul. E nunca me disse nada.

A nossa relação durou onze anos. Separamo-nos sem problema algum e só hoje entendo o porque. Tivemos outro filho, que morreu com um diagnóstico indeterminado. Seria Sida?

Acho que o meu ex-companheiro não me avisou por vergonha, egoísmo, orgulho, sei lá… Se nós partilhamos uma vida durante anos, é chocante vir a saber que o meu parceiro me escondeu a sua condição. Considero esta traição como a mais baixa. Afinal já não conhecemos ninguém.

O que ele fez é condenável. A primeira mulher, que faleceu há alguns anos, só agora se sabe que morreu com Sida. Neste momento, quatro filhos dele estão infectados com o HIV. É muito triste.

Desesperada, recorri à amigos. Recebi muito apoio e coragem. Tenho gerido a situação, tenho mais cuidados comigo, mudei de turno na Rádio Nacional. Hoje, sou uma mulher lutadora. Enquanto estiver viva, quero dar o melhor aos meus filhos, mas sempre de cabeça erguida.

O mais doloroso para uma mãe

Vivo com as minhas quatro filhas e dois órfãos de guerra que adoptei. A minha mãe já é uma pessoa de idade avançada, é comigo que ela tem contado quer na alimentação, como na saúde. É um triplo drama que carrego neste calvário.

O mais doloroso para uma mãe é saber que tem uma filha seropositiva. Só Deus sabe o que está dentro de mim. Um sentimento de culpa por saber que foi transmitido no meu ventre, mas convicta que não foi intencional, porque não sabia da minha condição, nem a do meu companheiro.

A minha filha, para além de ser seropositiva, tem um problema de coração e tem crises constantes. Alguns exames não são feitos no país e se fazem são caríssimos. Infelizmente, até hoje ainda não pude fazer o tratamento disso por falta de dinheiro. Por isso, pode ver como me sinto. O que fazer?


Lilas Orlov/PlusNews
... e filha: juntas de cabeça erguida.

Tem sido muito difícil da minha parte, não que tenha ódio do meu ex-compaheiro...quem sou eu para o condenar, mas é uma dor muito grande que carrego sempre que imagino o quanto ele foi cruel até com a própria filha.

Diga-me com sinceridade, o que merece um pai que contamina o seu filho e quase o deixa morrer? Esta pergunta tem me martelado muito a cabeça, sem contudo encontrar resposta.

O que me levou a assumir publicamente a minha condição é que, ao darmos a cara, ajudamos a todos que se encontram na nossa situação. É também uma forma de acabar com discriminação e passarem a ver-nos como cidadãos normais deste país, que coabitam com uma doença que poderia ser diabete ou cancro.

Sempre acreditei na Sida, porque é uma doença que existe, e tive dois irmãos que morreram com ela, além de outras pessoas queridas. Mas, apesar da coragem que tive em fazer o teste, o impacto que tive ao receber a confirmação foi doloroso.

O mais importante para mim é poder continuar a contar com as pessoas que me estenderam a mão na primeira hora, fazer tudo que estiver ao meu alcance para que nunca faltem medicamentos e alimentação, principalmente para a minha filha seropositiva, e que Deus continue a me dar força e coragem.


Carolina Pinto ANGOLA

Decidi ser mãe mesmo sendo seropositiva


M.Sayagues/PlusNews
Carolina e Lino: uma razão para viver.

Três anos depois de descobrir que sou HIV+, começou o meu sonho de ser mãe. Várias noites, chorei. Queria morrer. A vida não fazia mais sentido. Achava que a morte seria a solução de todos os meus problemas.

Porém, ao mesmo tempo, sentia que mesmo vivendo com o HIV, ainda tinha muita coisa por fazer, como ser humano e, principalmente, como activista, tanto por mim como pelos outros.

Apesar de ter os meus pais, minha enorme família e meus poucos amigos, faltava-me algo: um filho. Precisava de um motivo muito forte para continuar a vida, mesmo com o meu companheiro indesejável, o vírus.

Falei com o meu médico. Ele disse para esperar até que os resultados dos exames de carga viral fossem melhores. Ainda mais importante, ele disse que precisava de ter uma relação estável e rever o conceito de família.

Não basta o desejo

Pensei muito nisso. Eu tinha um namorado. Fazia perguntas e respondia sozinha - será que ele há-de ser o meu futuro marido? Ainda não nós conhecemos o suficiente, apesar do nosso sonho de casar e formar uma família. Afinal, não foi com ele que eu formei a família que tanto queria.

Eu dizia sempre que primeiro tenho de criar o mínimo de condições. Só assim terei o meu filho.

Não cheguei ao mínimo desejado, mas o desejo de ter um filho falou mais alto, porque eu precisava e preciso de um motivo grande para viver a "vhida", mesmo com VIH ou HIV. "Vhida" é uma palavra que criei a partir do meu convívio com o vírus.

Devemos pensar antes de termos um filho...se para além do desejo de tê-lo, temos o mínimo de condições financeiras, se esta criança terá um pai que a deseja também.

Eu conheço tantas jovens HIV+ com um desejo tão grande de ter filho, mas que não têm emprego, nem parceiro, nem casa, não têm condições nenhumas para ter esse filho. Pergunto a elas como e com que vais engravidar? Usas o preservativo nas relações sexuais ou não? Dizes ao teu parceiro a tua condição de HIV+?

Engravidar é fácil. Carregar o filho durante nove meses no ventre não é tão fácil, se não tens paz e apoio por parte do parceiro, da família, do médico. E um dia o filho há-de saber que a mãe é HIV+.

Uma boa parte das pessoas - família, técnicos de saúde - não concorda que uma pessoa HIV+ tenha filhos. São situações...uma mais complicada que a outra.

Decidi arriscar

Finalmente, em 2001, comecei uma relação séria. Pouco tempo depois passamos a viver juntos. O meu marido é seronegativo.

Falamos várias vezes em ter um filho. Ele dizia o mesmo que o médico.


M.Sayagues/PlusNews
Ser mãe seropositiva não é fácil, é preciso reflectir muito.

Eu não aguentava mais. Chorava muito. Queria ter um bebé.

Um ano depois, fiquei grávida. Suspendi os antiretrovirais sem consultar o médico. Foi uma atitude irresponsável.

Quando finalmente contei ao meu médico, ele ficou surpreendido. Sorriu e depois preocupou-se, porque eu estava a tomar o antiretroviral efavirenz, que pode causar problemas graves ao bebé.

O doutor foi pedindo opinião aos seus colegas dentro e fora de Angola. A maioria era de opinião que tinha que interromper a gravidez.

Mas o meu médico partilhava a minha esperança. Recomendou um ginecologista especializado em gravidez de alto risco. Só o encontramos três semanas depois. Foram três semanas angustiantes.

O ginecologista quis saber quanto tempo tinha de gravidez e eu não sabia dizer exactamente. Pediu que eu e o meu marido fossemos a uma clínica para fazer uma ecografia.

O meu marido pensava que devíamos interromper, porque não queria um filho com problemas. Acreditava que o meu sofrimento seria ainda maior.

Na clínica, o ginecologista deu-nos um livro que contava experiências feitas com efavirenz em ratos e seres humanos. A maior parte dos ratos havia nascido com defeitos. Contudo, nos estudos feitos com humanos, somente um bebé nascera com problemas.

Feita a ecografia, o médico perguntou se queríamos arriscar. O meu marido era pessimista. Mas para mim, depois de ver e ouvir o coraçãozinho do bebé a bater, a vontade só aumentou. Eu queria arriscar! Com fé de que tudo havia de correr bem, disse que queria ter o meu filho.

O meu marido olhou muito sério para mim. Depois de ver a minha alegria, não disse mais nada.

A barriga a crescer

Nesse mesmo dia, o médico receitou medicamentos para náuseas e vómitos, que tomei até o fim da gravidez. De contrário, não suportaria todo o mal-estar. Gastava, de 10 em 10 dias, 10 dólares americanos, e tomava três comprimidos por dia. Não foi fácil para o meu corpo, espírito e bolso.

O ginecologista acompanhou a gravidez até o parto. Sempre fui às consultas nas datas marcadas. Porém, se acontecesse algo de anormal fora destas datas, marcava uma nova consulta.

A barriga crescia. É uma sensação maravilhosa quando o bebé mexe. Todos queriam pegar na minha barriga: as minhas enteadas, meu marido, minhas irmãzinhas. Foi algo inesquecível.

Eu tinha fé, mas também rezei para que não acontecesse alguma coisa com o bebé, por causa do efavirenz. Dizia-lhe que tudo iria correr bem, que ele é a minha razão de viver e que será um grande activista da luta contra a Sida.

Nos últimos meses, começamos o tratamento do corte da transmissão vertical. Eu comprava os antiretrovirais na farmácia e fazia consultas num hospital público.

Por volta da 37ª semana de gravidez, programamos a data para a cesariana.

Internei-me no dia 25 de Fevereiro na maternidade central Lucrécia Paim, em Luanda. O meu ginecologista, sempre atento, participou do bloco de médicos.

Assim foi que, no dia 26 de Fevereiro de 2004, de parto cesariana, no período da manhã, lindo e aparentemente muito saudável, nasceu Lino, o meu tesouro.


Janete MOÇAMBIQUE

Os meus velhos não sabem que sou seropositiva. Como contar?


Cida Alternag
...não pode dar a cara e o nome por culpa da discriminação.

Foi exactamente em 2002, no mês de Agosto, que conheci a Comunidade de Santo Egídio. Estava grávida e fui à consulta pré-natal na Matola 2. A enfermeira aconselhou-me a fazer o teste de HIV. Decidi fazer, mas estava com muito medo do resultado.

Quando chegou a hora da resposta, a enfermeira conversou comigo até que me disse que era seropositiva. Procurou saber se eu era casada. Eu vivia com o pai do meu filho, mas não estava casada com ele. A enfermeira procurou saber também se ele alguma vez tinha feito o teste de HIV. Sabia que não.

Fui para casa, procurando as palavras para lhe dizer. Foi difícil, mas preferi contar a verdade. Ele reagiu bem, falamos entre nós e ele até decidiu fazer o teste. Assim foi, mas passou muito tempo e nunca chegou a dizer-me o resultado. Entretanto eu tinha começado a terapia antiretroviral para evitar transmitir o vírus ao bebé.

Quando chegou a hora da criança nascer, passei um mau bocado. A minha sogra insistia para eu amamentar o meu filho. Foi mesmo difícil lidar com isso: não queria contar a verdade para ela, porque sabia que não iria compreender.

E aí eu ia contando mentiras para ela, porque ela não acreditava que dava leite artificial ao bebé, porque os médicos aconselharam a não amamentar. Mas ela insistia, insistia.

Um dia o meu marido disse-lhe que era por vontade dele que eu dava leite artificial ao bebé. E a minha sogra calou-se.

A criança foi crescendo e chegou finalmente o dia do último teste: tinha completado 18 meses e aí saberíamos se estava ou não infectado. Foi um dia alegre, mesmo muito alegre, porque o bebé era são, não tinha apanhado nenhum 'bicho'.

Uma série de problemas

Porém, o meu marido começou a ficar doente, mas a família não me deixava levá-lo para o hospital. Um dia ele próprio me pediu para leva-lo ao centro DREAM para fazer o teste. Já estava pálido, mesmo pálido. E estava infectado.

Logo começou a segunda linha de tratamento antiretroviral. Tomava muitos comprimidos por dia e não comia nada. Só tomava líquidos. Ele estava mal. Foi internado no Hospital Central de Maputo.

Foi um período mesmo complicado para a minha vida. Ele já não podia trabalhar e eu não tinha emprego, nem um biscate para aguentar. Em duas semanas ele acabou por falecer. Tinha chegado demasiado tarde!

Quando no hospital, a família acabou por saber que era seropositivo. Perceberam que eu também era e aí começou a outra tragédia. Tiraram-me tudo que tínhamos construído juntos. Sofri muito. Ele tinha morrido e eu estava num beco sem saída, sem saber como fazer crescer o nosso filho.

Falei com a coordenadora do programa DREAM e me ofereceu um emprego. Hoje sou activista da associação 'Mulheres para o DREAM', dou palestras, faço assistência domiciliária, que significa visitar os doentes mais graves em casa, fazer limpeza, dar coragem, dar de comer, enfim fazer aquilo que cada um de nós quer quando está doente.


Cida Alternag

Aconselho os outros a tomarem os antiretrovirais a tempo e hora. Dou o meu testemunho, porque eu sou como eles. Com o salário que ganho faço alguma coisa para o meu filho.

Hoje vivo com os meus pais e o meu único filho que tem três anos. Os meus pais não sabem que sou seropositiva. Tenho medo que possam sofrer, porque eu sou seropositiva. Não me interessa o que os outros pensam de mim, mas tenho pena dos meus velhos. Quero evitar que sejam discriminados por minha causa.

Sinto-me uma privilegiada. Fui tratada quando precisava e o meu filho nasceu são. Hoje tenho um trabalho.

Para mim, gostaria que todo o mundo tivesse acesso aos antiretrovirais. Porque é possível viver e trabalhar mesmo estando infectado. Só se deve chegar a tempo. Quando se chega tarde, já não há esperança.

O próximo passo é contar tudo aos meus pais. E começar uma acção legal contra quem me roubou a casa.

Não posso dar a cara nem o meu nome completo, porque ainda não contei aos meus pais. Por isso, escolhi o nome de Janete para contar a minha história.


Carolina Pinto ANGOLA

É a força do amor: eu sou seropositiva, o meu marido não é…


M.Sayagues/PlusNews
Se ele te ama, ele te aceita.

Conheci o meu marido em 2001. Trabalhávamos juntos na Associação Luta pela Vida. Ele soube da minha seropositividade na primeira reunião em que participei. Foi nesse dia que contei que, dois anos antes, havia testado seropositiva, com 19 anos.

A partir desse dia ficamos colegas. Com o tempo desenvolveu-se uma forte amizade, que acabou em namoro. Penso que para que haja uma relação entre um casal discordante ambos têm de ter, além de muito amor, informação a cerca do HIV.

Quando eu fiz o teste, em 1999, não sabia nada sobre HIV. Só sabia que a SIDA mata. Não tinha esperança de viver, porque não haviam antiretrovirais em Angola, meu país. Felizmente tive acesso a Junta Nacional de Saúde e consegui antiretrovirais na África do Sul. Comecei a ver a vida de forma positiva, com esperança.

Três anos depois, eu já tinha informação clara sobre HIV/SIDA. Fiquei activista.

Quando ele falou em namoro, eu pensei: ele é meu amigo, sabe da minha condição, tem informação sobre a Sida, trabalha no ONUSIDA, trabalha com o meu médico, não acredito que me queira magoar.

Namoramos três meses e passamos a viver juntos. É claro que sempre tivemos a consciência de que sexo só com preservativo.

Como qualquer casal, temos tido algumas divergências. Sou muito ciumenta. Somos pessoas totalmente diferentes. Parecia difícil o entendimento. Posso dizer que, com o tempo, conhecemo-nos melhor e, ultimamente, há maior entendimento entre nós.

Estamos juntos há cerca de 4 anos e temos um filho de 2 anos.

Se ele te ama...

Muitas pessoas que vivem com HIV, que eu conheço, optam em ter relações entre elas. Acreditam que a relação tenha maior chance de dar certo. Mas isso não é verdade.

O facto de duas pessoas estarem infectadas pelo vírus VIH não significa que terão o mesmo pensamento, o mesmo carácter, sentimentos iguais, que viverão juntos para sempre, nem que o amor será mais verdadeiro. O amor é muito relativo, quer seja numa relação discordante ou não.


M.Sayagues/PlusNews

Depois de tudo o que aprendi com a vida, percebo que antes de se consolidar uma relação afectiva, deve existir, em primeiro lugar, amizade, melhor conhecimento um do outro, e que os dois tenham muita informação sobre o HIV/Sida.

Mas, como existem pessoas seropositivas ainda sem coragem de assumir publicamente a sua condição, pelo menos, quando houver envolvimento sexual, que seja com responsabilidade, usando o preservativo.

Quando uma amiga me pergunta sobre casais discordantes (em que um é seropositivo e outro não), eu digo que se ele te ama, ele te vai aceitar mesmo na condição em que estás.

Esconder o estado, numa relação em que passamos o tempo a dizer "te amo", é muito chato. Eu não consigo me ver numa situação do género, escondendo a verdade.

Uma coisa importante é estares informada sobre a Sida e como conviver com HIV.

Podes procurar uma forma estratégica para ir com o namorado a sítios com informação sobre Sida - palestras, bibliotecas, centros de aconselhamento - e, se possível, a uma organização com pessoas HIV+. Assim, os dois podem habituar-se e ver que é possível conviver sem problemas.

Se num casal discordante alguém quer ter relações sexuais sem preservativo, antes de cometerem essa loucura, reflictam primeiro: viver com HIV é possível, mas não e fácil; viver sem ele é melhor. Por experiencia própria, digo que o HIV é um companheiro indesejável.

Amigos, família, marido

Aprendi também a saber o que é uma verdadeira amizade. Muitos amigos afastaram-se de mim, quando souberam que eu era seropositiva. Isso foi bom, porque gosto que a pessoa demonstre a sua verdadeira face.

Entre os meus familiares, a situação foi a mesma. Os que gostam de mim de verdade não mudaram.

Acho que cada um deve ter a sua razão. Mas a falta de informação é a principal razão da discriminação de pessoas seropositivas.

Alguns já mudaram de atitude. Isso é, para mim, mais importante, apesar da mágoa que senti.

Quanto ao futuro...é meio confuso falar sobre isso. Tentamos - meu marido e eu - levar as coisas para o melhor. Amo muito a ele e vou lutar pelo nosso amor.


Luzete Chaúque MOÇAMBIQUE

Ser pobre é "lixado"... ser mulher pobre mais ainda


Paola Rolletta
Luto com o vírus dentro de mim todos os dias porque quero viver e ver as minhas crianças crescidas.

Chamo-me Luzete Chaúque e tenho 28 anos. Sou mães de dois filhos. Nasci numa família muito pobre na vida económica, como na espiritual.

Aos 10 anos de idade, comecei a estudar. Não entendia nada daquilo que os professores diziam, porque só pensava no que comer quando voltasse para casa.

Com 17 anos, perdi o meu pai. Fiquei com os meus cinco irmãos. Não havia ninguém que nos ajudasse.

Conheci um rapaz que trabalhava numa padaria. Fui obrigada a ter relações sexuais: dava-me pão em troca de sexo. Sem querer, fiquei grávida. Ele não assumiu a responsabilidade.

A minha situação piorou ainda mais: não trabalhava, não tinha negócio, vivia de esmola. Às vezes ajudava a lavar roupa ou a pilar, às vezes arranjava algo para fazer numa machamba.

Fiz isso até a minha filha Celeste nascer. Não tinha nem sequer sabão. Não tinha roupinhas. Passei por uma humilhação total.

Amor e dor

Em 1995, quando a menina tinha quatro 4 meses, conheci um senhor que vivia no centro de mutilados de guerra. Não tem uma perna e anda numa cadeira de rodas. Começamos a viver juntos - ali mesmo no centro de mutilados. Ajudou-me a criar a minha filha. Hoje ela tem 10 anos e vai a escola.

No ano 2003 tive a segunda gravidez. Fui à consulta pré-natal na Matola 2, onde a Comunidade de Santo Egídio tem o programa da prevenção da transmissão vertical. Perguntaram se eu queria fazer o teste de HIV. Aceitei. O resultado deu positivo.


Paola Rolletta
A vida me deu uma chance: Luzete Chaúque, com o marido, Manuel e o filho mais novo, Rafael.

Foi muito doloroso. Não queria acreditar. Naquela altura, só se ouvia dizer que ser HIV positivo era uma pena de morte.

Estava a pagar os pecados de todas as minhas relações sexuais: aquelas que trocava por um pedaço de pão.

Eu sabia que não usando a camisinha podia apanhar SIDA. Mas eu não tinha como. Quando és pobre, aceitas tudo. Aceitas sexo sem camisinha; aceitas sexo que não queres; aceitas violações; aceitas tudo por um pedaço de pão.

Ser pobre é "lixado". E ser mulher pobre ainda mais.

Quando cheguei à casa, mostrei o resultado ao meu marido. Ele ficou muito assustado.

Disseram-me que se começasse a tomar antiretrovirais a minha criança iria nascer sem SIDA. Eu não queria ter uma criança doente. E comecei a tomar os comprimidos para evitar a transmissão ao bebé. O meu marido lembrava-me sempre.

Um dia ele também quis ir fazer o teste. Nós falávamos muito, sempre fomos amigos. Será que é mais sensível porque é deficiente? Às vezes penso assim, porque todos os outros homens que encontrei na minha vida nem falavam comigo. Só queriam sexo. Nunca uma palavra, nem carinho.

O teste do meu marido também foi positivo. E começou logo o tratamento, porque o CD4 era muito baixo.

A vida deu-me uma chance

Somos um casal de seropositivos. Somos vistos como uns monstros pelos vizinhos. Mas, graças aos antiretrovirais, nós vivemos uma vida normal.

Se calhar a vida, que foi tão madrasta para mim, deu-me uma chance por viver na Matola. Às vezes penso se vivesse num outro sítio, onde ainda não tem este programa de prevenção vertical, já teria morrido.

Acolheram-nos de braços abertos dando-nos o tratamento antiretroviral e não pagamos nada.

O meu filho é seronegativo. Quando completou seis meses, o médico deu o resultado do meu CD4 e da carga viral: estavam normais. Ainda não preciso antiretrovirais, mas vou sempre à consulta. O meu marido continua a tomar.

Hoje, além de ser uma seropositiva, sou uma trabalhadora. Tenho bons amigos no centro. Até voltei para a escola. Quero ser enfermeira.

Tinha perdido a esperança de viver. O meu único pensamento era de me matar.

Mas agora tenho uma vida feliz e saudável, mesmo vivendo com o HIV dentro de mim. Luto com ele todos os dias, porque quero viver e ver as minhas crianças, Celeste e Rafael, crescidas.


Ana Maria Muhai MOÇAMBIQUE

Meus vizinhos pensavam que eu fosse um fantasma....

Chamo-me Ana Maria Muhai. Sou moçambicana e tenho 44 anos. Sou uma mãe de oito filhos. E sou uma mulher seropositiva.


Paola Rolletta
Hoje: saúde e autoestima graças aos antiretrovirais e ao amor pela vida.

O meu historial de doente começou em 1998: de repente fiquei cheia de ferida, em todo o meu corpo. Comecei a perder peso: estava tão magrinha que a pele servia para tapar os ossos. Aos 41 anos, pesava apenas 29 quilos, não tinha força para fazer nada e estava sem esperança de viver.

Tive tantas consultas, corri os hospitais todos de Maputo, a minha grande cidade. Os resultados eram esquisitos porque não acusavam nada de importante, mas o meu corpo continuava a desaparecer.

Finalmente, uma médica do centro de saúde Dlhavele mandou-me para o centro DREAM, da Comunidade de Sant'Egidio, na Machava, mesmo perto da minha casa.

Não sei se foi a força do desespero, a teimosia da minha mãe que não se acostumava com a ideia de me perder, fui lá, no mês de Fevereiro de 2002. Fui muito bem recebida pelos médicos e pelos operadores. Aceitei fazer mais um teste de HIV.


Paola Rolletta
Antes: com apenas 29 quilos e sem esperança de viver.

Foi num instante que soube do meu estado: era seropositiva. Inútil dizer que chorei todas as lágrimas que tinha nos meus olhos. Estava mesmo desesperada. O que sabia da SIDA era que não havia nada para fazer, era uma sentença de morte. Quem ficaria a tomar conta das minhas crianças? Porque tinha de acontecer mesmo comigo?

Comecei logo o tratamento. Tomava uma quantidade enorme de comprimidos, de anti-retrovirais, por dia. Tive montes de problemas, mas aguentei, sem perder a esperança que isso poderia vir a ser a minha salvação.

Pedia a Deus que não me deixasse, tinha filhos para cuidar. Até o meu marido me tinha abandonado com a morte a bater à porta de casa.

Não sei como fiquei infectada. Nunca 'brinquei' fora do meu casamento. Nem quero saber porque não adianta nada a este ponto.

Em três meses comecei a recuperar e já conseguia andar sozinha. Até ia ao centro com as minhas próprias pernas por espanto dos vizinhos que pensavam eu fosse um fantasma!

Para eles, eu era 'a minha irmã'. Um dia, uma vizinha apalpou-me o traseiro para ver de verdade se não era um fantasma. Se era eu mesmo.

Sabem, quando fiquei doente e sem força, já ninguém comprava na banquinha de verduras e bebidas que tinha montado perto de casa. Todos me apontavam com o dedo e não compravam os meus produtos por medo de se infectarem.

Os meus filhos, e isto me doía mesmo muito, não podiam assistir televisão em casa de ninguém, porque tinham uma mãe seropositiva. A discriminação que os meus filhos sofreram foi a minha dor maior.

Até não me importava que os vizinhos viessem a minha casa a tocar batuque e cantar canções de Sida. Se fosse só por mim, não me importava. Mas os meus filhos... sofreram tanto.

Considero-me afortunada por ter um mãe como a minha. Ajudou-me e continua a ajudar-me muito. Somos muito pobres, mas a ajuda entre nós é a nossa âncora de salvação.

Hoje, já lá vão quatro anos que tomo antiretrovirais, estou bem. Trabalho como activista para o projecto: o meu papel é dar assistência moral, dar força, às pessoas que vêm, todos os dias no centro. Conto a minha história, eles podem ver com os seus olhos, que estou bem, que tenho força, que posso trabalhar. E mostro a fotografia de quando pesava 29 quilos. Explico-lhes a importância de cumprir com todos os conselhos que os médicos dão, de levar uma vida saudável.

Digo-lhes que se pode ter uma nova vida mesmo vivendo com HIV/SIDA. Faço prestação de cuidados nas casas dos doentes mais graves. E dou palestras nas escolas, falo na televisão, e digo aos jovens que namorar não é só fazer sexo: namorar é dar um passeio, ir ao cinema, estudar juntos.

E quando sentem que a relação é mesmo importante e decidem de fazer sexo, nunca esquecer de usar a camisinha. Porque a SIDA é uma doença para toda a vida.

E os meus vizinhos agora vêm a minha casa, pedem-me conselhos e até me pedem sal.....

 

LIGAÇÕES

· Agência de Notícias da Aids
· Onusida
· Fundo Global das Nações Unidas contra HIV/SIDA, TB e Malária
· Programa Nacional DST/AIDS Brasil
· AIDSPortugal


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